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O simples e o complexo

José Tolentino Mendonça
In Diário de Notícias (Madeira)
11.06.11 

Há uma estação no nosso caminho em que o simples e o complexo convivem numa harmonia que nos ajuda a perceber mais profundamente a promessa profética de que o lobo e o cordeiro passearão juntos. A verdade é que, por muito tempo, olhamos para essas realidades em contraposição. Orientamos a nossa vida no desejo de uma coisa ou de outra, numa visão balizada, tranquilamente dicotómica, por acreditarmos que o simples e o complexo são coisas bem distintas.
À primeira vista parece que fomos criados para verdades simples e só essas respondem cabalmente às expectativas do coração humano. Uns dirão que a razão disso repousa unicamente na nossa incurável necessidade de segurança, e que verdadeiramente nada é simples, nada se colhe até ao fim num vislumbre imediato, e que o caminho que todos fazemos é do simples (que tem de ser deixado) para alcançar o complexo (que é o fatal ponto de chegada). E dão como exemplo a infância, a idade das evidências. À medida que crescemos essas evidências empalidecem, desdobram-se, diferenciam-se, entreabrem-se, interrogam-se, dividem-se. O que parecia simples escapa-nos, num processo de complexificação que não dominamos completamente e que, em grande medida, acaba por se nos impor. Creio, porém, que a experiência de que o essencial é simples, e que de modo ainda mais simples se deixa acolher, nos acompanha até ao fim. Mas também sei que, como existe uma conversão do coração ao modo simples que a vida tem de se exprimir (pelo menos, em certas horas), precisamos de trabalhar o nosso coração para aceitar, como condição de autenticidade, a dicção complexa da vida.
Recordo aquela frase que Paulo de Tarso cunhou: «agora vemos como num espelho, e de maneira confusa». Isto é, todas as visões são provisórias e o nosso olhar não é senão  chamado à itinerância. O problema não é que o que nos tinham prometido ser simples depois se torna, sem aviso, complexo. Ou que o que esperávamos complexo se revela, desconcertantemente, simples. É necessário compreender, com humildade, que o problema não é da realidade, mas do modo como lidamos com ela. A questão é a da aprendizagem que o nosso olhar faz ou não faz do real.
Para quem a quiser ouvir, a vida lança-nos o desafio (a sugestão, a prece) de um amor sem posse. Não é o que sabíamos o mais importante, mas o que vamos sabendo. Não é o conhecimento armazenado de um dia que nos pode servir de mapa, mas a meditação do acontecer. Somos convocados para peregrinar, para aferir a profundidade no movimento, para vislumbrar através da incessante deslocação aquilo que permanece. O nosso olhar nem sempre aceita que é pobre, mas quando aceita, percebe finalmente aquilo que está dito num verso de Rainer Maria Rilke e em tantos outros lugares: «A pobreza é um grande brilho que vem de dentro...».
São de sabedoria as palavras do místico São João da Cruz: «Para chegares a saborear tudo,/não queiras ter gosto em coisa alguma.//Para chegares a possuir tudo,/não queiras possuir coisa alguma.//Para chegares a ser tudo,/não queiras ser coisa alguma.//Para chegares a saber tudo,/não queiras saber coisa alguma.//Para chegares ao que queres,/hás de ir por onde não queres.//Para chegares ao que não sabes,/hás de ir por onde sabes.//Para ires ao que não possuis,/hás de ir por onde possuis.//Para chegares ao que não és,/hás de ir por onde és».

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