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Escrevo para apagar o que escrevi
como se pudesse retornar à nascente e começar pela primeira vez
o que nunca disse o que nunca poderia dizer
ou que talvez tenha dito sem o saber
Vou escrevendo como um náufrago da página
nadando na brancura mas sem rumo certo
procurando as palavras ao nível deste solo
Mas para que as palavras respirem
é preciso que o silêncio respire
Quando por felicidade respiram
é como se fosse a respiração da água
E então não deixam rastro porque tudo o que dizem
é a melodia da água que se esvai e continua
sempre pela primeira vez sempre uma única vez
É esta a minha condição fatal
e por isso necessária. Não posso dizer nada
senão a impossibilidade que nela existe
de ser música insignificância maravilha nudez
um elemento imponderável e transparente


António Ramos Rosa, O Deus da Incerta Ignorância, seguido de Incertezas ou Evidências, p. 78 (Pedra Formosa, 2001)

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