Uma vez, dei comigo no cemitério de Lautolim, em Goa, a ler, um por um, todos os nomes escritos nas lápides das sepulturas. Como se os nomes me pudessem contar as suas histórias, explicar o segredo da sua obstinação, da sua partida Tejo fora, numa manhã de há quatrocentos ou duzentos anos atrás. O meu fascínio consiste apenas em ver e imaginar. Não tento compreender e, menos ainda, julgar: sei que mataram, que estropiaram, que escravizaram, que maltrataram. Sei que não há nada de grandioso ou de louvável em tantas dessas vidas sepultadas nos cemitérios do Império. Mas, todavia, não julgo. Porque eles estão mortos e eu estou ainda vivo, sem dúvida. Mas porque também é uma insuportável arrogância moral julgar a História com a vantagem do tempo. Limito-me assim a olhar os sinais das sua passagem, a imaginar o que de sonhos, ilusões e saudades incontáveis está sepultado nas ruínas das casas onde eles viveram, na cova que os seus passos marcaram na pedra das lajes, séculos a fim, no mesmo mar (será o mesmo?), nas mesmas estrelas, que tantos dias e tantas noites olharam, sem terem, como eu, um avião com dia e hora certos para os levar de volta a casa.Que descansem em paz os que pelo sonho viveram, pelo sonho mataram e pelo sonho morreram. Deixaram casas e ruínas e ruínas de casas.
Miguel Sousa Tavares
As Ruínas do Império, Sul
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