...quando Jesus cura o leproso, o importante não é apenas que há um leproso e que no fim do encontro este fica curado. Fundamentalmente é também o modo como isso acontece: o facto de Jesus correr o risco de contaminação. Jesus podia curar observando a distância recomendada em relação àquele tipo de doentes, mas Ele escolhe tocar o leproso. E este gesto, insubmisso e fortíssimo, na direcção daquela vida interditada, é tão ou mais forte que a cura em si.
Quando outro doente é descido de maneira espectacular pelo telhado, porque pelas entradas normais era impossível chegar a Jesus, temos uma imagem que vale por mil palavras. Dá a ver tudo: o desespero, mas igualmente a esperança, o esforço de ir até ao fim, de precisar de Jesus até ao fim. Aquele pai, que tem um filho epiléptico, e que nos é desenhado com realismo: o rapaz deitado por terra, a espumar em convulsão. Este pai vem ter com Jesus e diz-lhe: "Mestre, eu peço-te que venhas ver o meu filho." Rapidamente percebemos que neste pedido se concentra um dramatismo precioso que a narrativa propositadamente conserva. O importante não é apenas que havia um nó que Jesus desfaz. Decisivo é também o caminho que cada personagem faz para Jesus, e esse caminho na fragilidade, esse processo de uma humanidade que se interroga, em crise, em sofrimento, ou simplesmente em curiosidade e busca - isso é matéria que nos permite uma aproximação intensa, existencial. Ou como recorda (...) Carlos Maria Antunes, chegamos a Ele através da nossa solidão.
José Tolentino Mendonça
(Prefácio "Atravessar a própria solidão")
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