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Primavera: regresso

12 de Abril

Invoco-te agora porque sei que me ouves, que os que amamos não morrem pela morte, só morrem em vida. Invoco-te, mãe, porque hoje, Domingo de Páscoa, foi um dia muito duro para mim - com amigos que não estavam onde deveriam ter estado, mentiras que estavam no lugar das verdades e um deserto para atravessar, depois de ter atravessado e sobrevivido, tão próximo ainda, exposto e indefeso, o terrível corredor do hospital que antecede a grande sala das decisões, a que também chamam a sala de operações. Como podes ver, vou recuperando, devagar no corpo e pior no resto. Mas, ontem, estive em Lagos, na Ponta da Piedade, olhando as nossas grutas - o meu território de infância, a luz da tua poesia. Vi o nosso mar e as nossas rochas, vi ali, claramente vista, a verdade e a imanência, a dignidade das coisas em que sempre acreditaste e em que me ensinaste a acreditar. Vi o teu olhar azul como o do mar de Lagos, a tua voz tranquila, as palavras ditas sem desperdício algum, a tua mão desenhando danças sobre o tampo da mesa, o fumo do cigarro perdido no vento que tudo leva, a força, que me ensinaste, de nunca trair, de nunca mentir, de enfrentar mesmo a mais negra escuridão, mas de nunca dar combate a quem não caminha sobre a luz e de cara virada ao vento. Mãe, que me ensinaste a "atravessar contigo o deserto do mundo", fala comigo, só agora, só mais esta vez. Prometo que é a última, que nunca mais me engano no caminho.


não se encontra o que se procura
miguel sousa tavares

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