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Estrelas

Podiam dar-nos a manhã que não acaba,
um sol branco feito de madrugada,
um céu de linho que a morte assombra,
o fogo frio num arauto em cinza.

Podiam cair os nevões de Janeiro,
as frases corridas de uma tarde chuva,
o relâmpago que não ficou à espera,
e o incêndio no enxame das florestas.

Podia pensar com a febre de quem está só,
pensar que não é preciso apenas pensar,
e pensar sem ter em que pensar,
ou pensar que um pensamento não vem só.

Podia ver a linha no fim do mar,
os barcos que dali nunca saíram,
o mastro que os temporais quebraram,
e as estrelas que o marinheiro procurou.

Mas tenho a vida nas mãos vazias,
passo-as por água para limpar a vida,
e a vida não me sai da palma da mão,
a vida fica sem nunca lá ter estado.

E quando me pegas na mão que te dou
descobres que não há vazio sem vida,
e tiras do vazio a vida que lá está
para que a vida saia de dentro do vazio.

Como se a vida tivesse algum peso,
e a pudesse dar na linha desta mão,
ponho a mão na mão que me dás
para que as vidas se troquem numa linha.

E a manhã vai dar luz à tarde,
a tempestade acalma o dia de sol,
penso sempre que não penso,
desenho bússolas numa tinta de estrelas.


Nuno Júdice

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