O Captain! My Captain!
O Payet varreu a perna ao Ronaldo e pô-lo fora do jogo e da final que perseguia há uma vida, que ele sentia que ia ganhar, desse por onde desse, a jogar bonito ou a jogar feio, com mais ou menos asneiradas. Isso pouco lhe importava - o caneco era dele. E essa fé estava na cara e no discurso e nos sorrisos do Ronaldo, porque há coisas que não se explicam e a fé é uma delas. Mas depois também há as outras coisas, que se diz que acontecem e às quais se chamam azares ou injustiças e o desporto está cheio delas e já as vimos antes, mas talvez nenhuma seja tão tocante como esta.
Porque esta expôs a vulnerabildiade de um tipo que tomamos por indestrutível e que se revelou impotente para travar o músculo que rodou sobre si mesmo, num ângulo impossível, e o fez cair estatelado no chão. Chorou.
Naquele minuto, Portugal, a equipa menos favorita a chegar a uma final na última década, perdeu o seu melhor jogador, o seu capitão, o líder que tinha aprendido a ser líder e a jogar para os colegas por força das circunstâncias. Obviamente, sem ele, Portugal estava perdido.
A saída do Ronaldo mostrou que Portugal foi a melhor seleção deste Europeu, porque por equipa se supõe coletivo e não houve nenhuma outra que se sacrificasse e sofresse coletivamente como esta, correndo bem ou mal, decidindo bem e mal, defendendo com todos, atacando com os possíveis, com os jogadores armadilhados e presos por arames mas movidos com uma convicção que terá raiz no Além.
Hoje vi o João Mário a fazer sprints quando o relógio já aconselhava a banhos e massagens; o Nani a defender como o Cédric; o José Fonte a assumir-se como patrão de uma defesa à qual chegou como quarta opção; o Pepe renascer das cinzas e das dúvidas; o Patrício a justificar aquilo que o sportinguistas dizem dele (que é um Santo); o Adrien a agarrar-se ao Pogba e ao Matuidi sabendo que perderia mais do que ganhava, porque as leis da física são implacáveis; o Renato a disparatar mas a nunca desistir e a levar uma palmada do Fernando Santos como um pai e um filho; o Quaresma a tentar voar porque agora tem uma pena na cabeça; o Éder a marcar um golo como o Nuno Gomes contra a Espanha no Euro 2004; e o Ronaldo a dar ordens e bitaites junto à linha, como se fosse um ex-jogador transformado num adjunto ou um veterano de guerra com um joelho enfaixado e uma perna coxa.
Dava a sensação de que o Ronaldo queria correr como eles e de que eles estavam a correr pelo Ronaldo para que alguém aparecesse a fazer de Ronaldo no momento certo como em tantas outras vezes.
Por isso, quando eu pensava que ele já tinha esgotado todas as artimanhas que tinha naquele salto quântico e naquele remate-barra-assistência contra o País de Gales, o Ronaldo voltou a surpreender-me com o truque definitivo que eu julgava só estar ao alcance daquele em quem eu não sei se devo acreditar - e que é o herói de um livro tão antigo quanto o tempo.
O Ronaldo, seja lá porque artes forem, mágicas ou místicas, tornou-se omnipresente. E ao ter saído de campo, foi o melhor em campo.
http://euro2016.expresso.pt/euro2016/2016-07-10-Obrigado-Ronaldo.-Foste-o-melhor-em-campo
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