Avançar para o conteúdo principal
Aqui há tempos, num blogue
"dedicado à poesia", vi-me
deste modo referido:

Rui Pires Cabral (1967- )

e confesso que a lacuna
no parêntesis me causou certa
impressão. Como os aborígenes
do Outback australiano
que não vêem as estrelas
mas o espaço negro entre elas,

também eu, por um instante,
nada mais vi no ecrã que esse
vazio. Porque era, na verdade,
a minha morte que ali estava,
na zelosa antecedência
de um gravador de lápides

virtuais. Não ignoro, claro está,
que o meu dia há-de chegar
(ou melhor, a minha noite),
mas não deixa de ser estranho
ver que alguém, algures na rede
(e enquanto eu me desunho

para me manter à tona,
nos versos como na vida),
já previne, calmamente,
aquela segunda data
que há-de preencher o hiato
e completar o registo.


Rui Pires Cabral

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr...

Eis-me

Eis-me Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face Mas tu és de todos os ausentes o ausente Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca O meu coração desce as escadas do tempo [em que não moras E o teu encontro São planícies e planícies de silêncio Escura é a noite Escura e transparente Mas o teu rosto está para além do tempo opaco E eu não habito os jardins do teu silêncio Porque tu és de todos os ausentes o ausente Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'