Talvez tenha sido a altura em que o li... talvez porque diga mesmo tudo...talvez porque o sentimento não vive na opacidade da linguagem...
Estou numa esplanada a tomar café e a ouvir inadvertidamente (e algo contrariada, admito), a conversa de dois adolescentes nerds com um crespúsculo de barbicha que lhes escurece as borbulhas. A comunicação entre ambos é dolorosa, parece que vomitam enquanto falam, nunca fecham completamente a boca e cada palavra é intercalada por “pá”, “meu”, “chavalo”, “cena”, “puto”, “esquece” e “tipo”.
A confissão do nerd número um prossegue alto e bom som, e nem todo o meu pudor lhe consegue fugir. “Meu, a Sara entrou no karaoke da praia norte e eu, tás a ver, deixei de ouvir as conversas. Chavalo, deixei de ouvir tudo, só olhava para ela e a mine tremia-ma na mão, todo eu tremia, puto, suava da cabeça aos pés, tive que vir cá fora apanhar ar, sentia-me doente”.
Tento captar o som das notícias no ecrã da espalanada, mas o pobre insiste em dar-se a conhecer ao mundo, ou, pelo menos, ao segundo nerd, a mim e à velhinha que lia o correio da manhã e comia o éclair. “Quando eu e a Sara estamos juntos não sei o que se passa, deixamos de ver os outros, não existe mais ninguém, chavalo, é uma cena que vai muito além da cena física tás a ver, como o sex (aqui baixa um pouco a voz, mas não o suficiente) com a Patrícia. “Ah, a Patrícia, pois...”, diz o nerd número dois que aparenta estar desertinho de bazar para o computador.
E o primeiro continua, num estilo megafone confessional: “No outro dia estivémos na praia do V.” (e eu a pensar: Ah.... a minha praia, o cenário perfeito para o marmelanço, afinal o nerd não é assim tão parvo como parece), e continua: “... e estivémos duas horas só agarrados, a ver o mar, puto!" (retiro o que disse) .
"A ver o mar! Foda-se, eu nasci a ver o mar, aquilo não tem interesse nenhum mas nesse dia foi diferente, vi a cena doutra maneira, tás a ver? Não sei o que se passa comigo, caralho...”.
E eu, na mesa ao lado, a fingir que o telemóvel me interessava, com vontade de lhe gritar:
meu,
puto,
chavalo,
tipo,
esquece,
essa cena chama-se AMOR!
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