"O encontro com o Senhor é muito mais uma passividade que um activismo. Não é o surdo que não ouve mas sim aquele que não suporta a hipótese de ouvir aquilo que no fundo procura e tanto deseja."
Não há direito. Há Graça. Há o dom que é gratuito e que daqui, agradecidos, nos torna quem somos para Ser. É daqui que brota ou não o nosso verdadeiro compromisso in-dependente, a relação de liberdade com tudo o mais que nos rodeia. Nada nos pertence, nada é nosso mas tudo ou tanto nos é oferecido.
A quem pertencemos? Ao que queremos pertencer?
Na resposta está em jogo a nossa Alegria completa em saber afinal de quem somos originariamente dependentes. É pormo-nos no nosso lugar. Temor a Deus é fazer a experiência de saber que Ele existe, e não sou eu. Desta resposta irrompe a nossa experiência de felicidade, querendo-a à semelhança da felicidade de Cristo, Jesus. A opção primeira a renovar a cada instante, sendo preciso, é esta: De quem me quero saber parte? Do quê? De Deus? Estruturalmente. O quê ou quem nos sustenta e salva verdadeiramente?
O que nos salva é a misericórdia de Deus. O cansaço e a opacidade são de mais, sempre que se procura, o que urge em necessidade para nos realizar, no sítio errado. Procurar o incondicional no que é condicionado acaba por ser tão absurdo como procurar o condicional no incondicionado. A nossa subversão, a nossa revolta, o nosso “não” ao Amor incondicional de Deus é o não suportar que esse Amor existe e que todo ele nos sustenta. Esta nossa reclamação imediata ao direito de ter o que a nós conferimos ou a nós conferiram, por juízo próprio, é o pecado. Quem ama bem é o agradecido. O agradecido é quem ama bem. Invocando o direito perdemos a vida entre os dedos e perdemos também a disposição ao acolhimento do que é dom. Não coabitam, não são compatíveis a alegria do gratuito e o ressentimento do direito não conseguido. E este direito reclamado pode ser tão simples como um sorriso, o abraço, aquela palavra e reconhecimento ou até a chamada de atenção à qual se pensou ter direito.
O encontro com o Senhor é muito mais uma passividade que um activismo. Não é o surdo que não ouve mas sim aquele que não suporta a hipótese de ouvir aquilo que no fundo procura e tanto deseja. Tanto, que tem medo de escutar. Não havendo silêncio dentro, o que fala muito, em voz alta ou em voz muda que nem se ouça, ouve pouco. Se só fala, se só faz, não abre a oportunidade de reconhecer em si essa Voz que lhe quer dizer como o sustenta e porque o sustenta. Por isto, a melhor maneira de procurar o Senhor é deixar que Ele nos encontre. É sem-abrigo, mendigo de amor, esperando as migalhas do que sobra de outros banquetes em alvoroço, o que perde o rasto a essa Voz que sussurra dizendo: És "o meu filho muito amado no qual pus todo o meu agrado".
É a experiência do órfão. Fazemo-nos órfãos cada vez que deixamos em nós escapar a capacidade de escutar esta Voz constante que reclama a nossa filialidade. Continuamos peregrinos, mas perdidos, divididos entre as várias direcções. Sentimo-nos chamados de muitos lados mas, falta Quem chame para o Caminho, a Verdade e a Vida. Na presença consciente e científica de que o Pai nos reclama como seus filhos, pedir perdão é reclamarmos nós a paternidade do Pai.
Desejamos o Amor incondicional, mas parece que não suportamos facilmente a plena experiência de sermos amados incondicionalmente. Precisamos de deixar que o Senhor vença a nossa vontade de não nos deixarmos vencer por Si. Mas o desafio não é só este de nos sabermos e nos querermos o filho que sempre volta à casa do Pai. Viver apenas entre a fuga e o regresso. O filho que cresce é o que não tem medo de crescer e se sabe chamado a ser pai, como o Pai, para todos. Como o Pai o é para si. Ser como o Pai, por Seu Filho com o Seu Filho, no Seu Filho. Quem experimenta esta dependência originária sabe que não há direito. Há graça.
Luís Bacalhau
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