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Conversa de grãos...de gente


- Dizia um dos grãos de trigo para os outros em pleno inverno debaixo de uns centímetros de terra: vamos acabar podres aqui sob esta terra húmida e fria.
- Outro grão retorquia: tenho impressão que não. Se nos puseram aqui não é para acabar.
- Que ideia, foi mesmo para acabar. Não sentes a tua casca a desfazer-se e o miolo a inchar? E aqueles ali já estão apodrecidos, desfeitos, nem já dão por nós.
- Deixa lá, vais ver que não vai ser o nosso fim. Sinto cá por dentro uma vibraçãozinha como alguém a chamar-me baixinho!
- Estás mesmo a sonhar, ilusão; estás a delirar. Eu não sinto nada, só o frio e a terra húmida a esmagar-me. É uma tristeza acabar assim. Era tão boa a nossa vida, antes!
- Não estás a ver este grelinho a sair do meu interior por dentro da minha pele desfeita? Espera, espera…Já…
- O quê?
- Estou a subir de dentro do que estava podre. Vejo…
- Se não estou louco, parece que também está a acontecer comigo. Estou a mexer… Qualquer coisa a subir… Será que é mesmo agora o nosso fim?
- Eu vejo uma luzinha por cima, sinto algo a roçar quentinho pela minha folhinha… Sinto-me mais vivo… A renascer. Está a ser mais bonito que antes e que há pouco. Olha, ali, outros grelinhos a aparecer, a subir… Já não estamos a apodrecer debaixo da terra. E aquela luz grande a olhar para nós!
Ena, tanta luz! E tantos a acenar-nos para a festa. Hi! O que estamos a ver! Que bonito!
Funchal, Páscoa («Se o grão de trigo não morrer...») 2012
Aires Gameiro

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