O que é um louco?
Por Rui Tavares
Publico 2012-03-21
No Verão passado, quando o assassino AndersBreivik matou na Noruega mais de setenta pessoas, na sua maioria adolescentes,passei dois dias lendo o seu compêndio de mais de duas mil páginas comelucubrações contra o multiculturalismo, descrições da preparação do seuatentado e uma enxurrada de recriminações aos muçulmanos, aossociais-democratas e à esquerda em geral.
Desde então, a opinião de que esse assassino era um louco acabou por se tornardominante. Tanto quanto sei, foi até validada num primeiro momento pelo sistemajudicial norueguês, o que gerou controvérsia e levou ao pedido de uma segundaavaliação psiquiátrica do assassino.
A sociedade procura uma resposta a essa pergunta - é louco ou não é louco -como se ela fosse o fim do assunto. E, no entanto, ela é só o início. Ser louconão é um buraco negro que engole todas as outras explicações. Pode, no máximo,ser um espelho distorcido; mas a loucura não existe fora da sociedade nem setrata de uma forma binária, louco ou não-louco. Há uma gradação, há momentos ehá tipos de loucura.
O facto de Breivik ser louco, se de facto é, não significa que ele não sejalouco e racista, louco e influenciado por anos de propaganda alarmista sobre osmalefícios da presença de muçulmanos na Europa e de discurso agressivo contra a"traição" da esquerda e do multiculturalismo. Não significa que o seucompêndio, como descobri ao lê-lo, não esteja racionalmente construído parainfetar outros cérebros com o mesmo vírus. Não significa que ele não estejaconsciente, hiperconsciente até, do simbolismo político do seu ato para umaminoria de pessoas que vivem na mesma realidade que ele. E não significa, acimade tudo, que possamos varrer essa realidade para debaixo do tapete da"loucura", ou seremos então nós uma sociedade com pouca noção do queé um debate saudável sobre o mal.
No Outuno e no Inverno, os alemães descobriram com espanto que um grupo deneonazis tinha assassinado quase uma dezena de imigrantes turcos, ao longo dosanos.
E, neste fim de Inverno e início de Primavera, vemos estes assassinatos emFrança. O ataque contra a escola judaica é, indubitavelmente, um ataqueanti-semita; propositadamente um ataque num lugar pertencendo à comunidadejudaica, com uma intenção deliberada de assassinar judeus.
Não sabemos se o ataque que dias antes foi perpetrado por alguém que se vestiada mesma forma e usava métodos semelhantes ao do assassino da escola judaica emToulouse foi também um ataque com elemento racial. Na verdade, foram doisataques, e em todos eles morreram militares franceses de origem magrebina (efoi ferido um negro).
Caso se confirme que foi a mesma pessoa a realizar ambos os ataques,independentemente da motivação, rapidamente reencontraremos o debate sobre se élouco ou não é louco o assassino. Mas não podemos ficar por aí: há loucosincapazes de partir um ovo cozido e que não conseguiriam matar uma mosca; hágente que passa por saudável tendo ideias violentas, cabeça fria e vontade cruel.
De cada vez que num crime racista vemos apenas um louco e nos despachamos afechar um debate na sociedade, isso quer dizer que não entendemos nem aloucura, nem o racismo, nem a importância de um debate na sociedade.
Desde então, a opinião de que esse assassino era um louco acabou por se tornardominante. Tanto quanto sei, foi até validada num primeiro momento pelo sistemajudicial norueguês, o que gerou controvérsia e levou ao pedido de uma segundaavaliação psiquiátrica do assassino.
A sociedade procura uma resposta a essa pergunta - é louco ou não é louco -como se ela fosse o fim do assunto. E, no entanto, ela é só o início. Ser louconão é um buraco negro que engole todas as outras explicações. Pode, no máximo,ser um espelho distorcido; mas a loucura não existe fora da sociedade nem setrata de uma forma binária, louco ou não-louco. Há uma gradação, há momentos ehá tipos de loucura.
O facto de Breivik ser louco, se de facto é, não significa que ele não sejalouco e racista, louco e influenciado por anos de propaganda alarmista sobre osmalefícios da presença de muçulmanos na Europa e de discurso agressivo contra a"traição" da esquerda e do multiculturalismo. Não significa que o seucompêndio, como descobri ao lê-lo, não esteja racionalmente construído parainfetar outros cérebros com o mesmo vírus. Não significa que ele não estejaconsciente, hiperconsciente até, do simbolismo político do seu ato para umaminoria de pessoas que vivem na mesma realidade que ele. E não significa, acimade tudo, que possamos varrer essa realidade para debaixo do tapete da"loucura", ou seremos então nós uma sociedade com pouca noção do queé um debate saudável sobre o mal.
No Outuno e no Inverno, os alemães descobriram com espanto que um grupo deneonazis tinha assassinado quase uma dezena de imigrantes turcos, ao longo dosanos.
E, neste fim de Inverno e início de Primavera, vemos estes assassinatos emFrança. O ataque contra a escola judaica é, indubitavelmente, um ataqueanti-semita; propositadamente um ataque num lugar pertencendo à comunidadejudaica, com uma intenção deliberada de assassinar judeus.
Não sabemos se o ataque que dias antes foi perpetrado por alguém que se vestiada mesma forma e usava métodos semelhantes ao do assassino da escola judaica emToulouse foi também um ataque com elemento racial. Na verdade, foram doisataques, e em todos eles morreram militares franceses de origem magrebina (efoi ferido um negro).
Caso se confirme que foi a mesma pessoa a realizar ambos os ataques,independentemente da motivação, rapidamente reencontraremos o debate sobre se élouco ou não é louco o assassino. Mas não podemos ficar por aí: há loucosincapazes de partir um ovo cozido e que não conseguiriam matar uma mosca; hágente que passa por saudável tendo ideias violentas, cabeça fria e vontade cruel.
De cada vez que num crime racista vemos apenas um louco e nos despachamos afechar um debate na sociedade, isso quer dizer que não entendemos nem aloucura, nem o racismo, nem a importância de um debate na sociedade.
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