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Uma ressaca que fica...


Parece tudo demasiado fácil: lavar os dentes com água a correr, tomar banho com água a ferver na pele, beber leite previamente líquido e misturá-lo com café que sai da máquina mal carrego num botão verde.
Dormir sem redes a ocupar o ar à minha volta, andar na rua e não ter que saltar os riachos cinzentos cheios de lixo. Passar o dia no computador, porque cada ação demora no máximo dois segundos a ser realizada e Internet rápida vicia.
Tudo parece feito para não pensarmos no quão privilegiados somos. Agora, recém-chegada de um lugar onde tudo é escasso, ainda me lembro. Mas habituamo-nos demasiado rápido a rotinas confortáveis.
Quero o meu desconforto de acordar de madrugada e "mata-bichar" à volta da mesa, em comunidade. De sair à rua e de ouvir um "Bom dia, irmão!" a cada esquina. De andar pelo meio de bairros onde os bens são poucos mas o Bem é muito. De ver Esperança e alegria nos olhos de cada um, ainda que lhes falte muita coisa. 
Quero o desconforto de tomar banho de água fria e ter arrepios múltiplos. De pensar que tenho mesmo que encurtar ao máximo o momento, para antecipar o encontro com a toalha. Ou então de não ter energia e tomar banho de bacia no pátio - outra vez em comunidade.
Quero abrir o armário e só encontrar pacotes de bolachas de água e sal. E comer bolachas de água e sal com chá quente, divido por muitas canecas.
Quero gente a varejar à minha volta, fazer o OJE em conjunto e adormecer com conversas profundas vindas de perguntas ainda mais profundas.
Aqui, é tudo demasiado fácil. Tudo menos curar esta ressaca que parece ter vindo para ficar.

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