Quem se faz prisioneiro do que recebeu, falha contra a criatividade da fidelidade e o exigente exercício da liberdade historicamente situada. Quem se faz ideólogo da novidade permanente, da autofundação e da autonomia absoluta, esquece que ninguém é pai sem, primeiro, ter sido filho, e que não há árvores sem raízes, nem promessas sem memória, nem crescimento sem espera, nem liberdade sem alteridade. Quem vive, apenas, de olhos postos no alto, perde o pé da existência corpórea, do presente e do finito. Vivendo na abstração de um mundo espiritualmente perfeito e puro, falha contra a lentidão do tempo, a espiritualidade da matéria, a concretude das relações. Quem, pelo contrário, anda cabisbaixo e olhar por terra, acaba, facilmente, amarrado ao lado amorfo e triste das próprias impossibilidades e temores.
Entre-tanto, pelo exercício de se compreender e de se narrar na confluência de tantas dimensões - entre o eu e o outro, o mundo e o absoluto, os factos e a palavra, a graça e o limite, o corpo e o espírito, os sentidos e o sentido, a grandeza e a provisoriedade de cada ente, as possibilidades desejadas e as efetivas realizações -, desenha-se a consciência-de-si-em-relação-aberta. Quando se aceita atravessar e habitar um colóquio generoso com o mais alto e o mais baixo, o dentro e fora de si mesmo, o impacto afetivo das experiências e a sua avaliação crítica, criam-se as disposições indispensáveis para a revelação de uma dádiva e de um novo início, de um renovado percurso de vida e de esperança. E criam-se condições humanas para chegar, talvez, a reconhecer como dom aquele gesto de fé, o mais humilde e o mais nobre, que é a liberdade de se ajoelhar, confiadamente, diante de Deus.
a fé vive de afeto
José Frazão Correia, sj
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