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Teremos do tempo a justa parcela
da nossa compreensão
assim um instante será tão só
a inteireza do nosso habitar
nenhuma velocidade
nenhuma contagem
a suspense de todo o artifício
dos relógios
apenas o acorde da existência
na concha das mãos
levado aos ouvidos
como água

Cultivemos por isso
o vinho
os vivos alimentos
as crianças que dormem de lado
na catapulta pronta
de um novo dia
as casas crescem pelas fissuras
não tapemos nada
deixemos que haja
o vagar com que seca a roupa
e os frutos mais doces
deixemos que venha
a vontade de uma estação
mais subornada
de fraterna moeda

Porque do tempo
teremos apenas essa riqueza
que a asa da morte
não nos leve já
mas que passe todos os dias
para soprar as pálpebras
perigosamente soporíferas
através das quais vemos
ou não vemos
a paisagem clamorosa
dos amados
da contingente respiração
das fotografias
impossivelmente guardadas
para olhos que só poderão
ser estes


Vasco Gato

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