Nenhum amor serve para destruir.
E é essa a diferença entre amar demais e amar inteira, entre querer-te para sempre e recusar-te até nunca mais. Acreditei que o amor era isto: esta precisão, esta doentia necessidade de ti, esta incapacidade de continuar para além do que fomos, para além do que és, para além do que não podia deixar de ser. Acreditei que amar era a maior das precisões, a maior das necessidades. E foi assim que, lentamente, me fui desnecessitando: deixando de precisar de mim e passando a precisar de ti no meu lugar. Anulei-me para te deixar entrar; saí do poder para te deixar governar.
Mas até os amores desgovernados precisam de governo.
Havia a destruição entre nós. Pouco a pouco, todos os dias, nos íamos aniquilando, devorando, canibalizando sem piedade. Eu queria sempre mais de ti e tu querias sempre mais de mim. E não havia carne para tanta fome. E não havia medo para tanta vontade. Construímos, em nós, no que fomos, uma arma de destruição massiva: uma arma de destruição passiva e activa.
Todos os amores servem para construir.
Deixámo-nos de corpo há tanto tempo e a alma ainda te procura. Ainda cedo, aqui e ali, à tentação de saber como estás, à fraqueza de um telefonema teu que não consigo deixar por atender, às tuas palavras que me garantem que desta vez será diferente, que desta vez virás como homem e não como guerra. Vivo ainda em ti, vivo ainda – não há dia em que não te veja por dentro dos olhos – com o que és debaixo do que sou ou até por cima do que sou. Mas aprendi que o que somos e fomos não é nem nunca foi amor. Amor é aquilo que faz de quem ama mais do que aquilo que sem ele poderia ser – e nós só nos fomos reduzindo a cada vida que dividíamos. Amor é aquilo que obriga a ser melhor do que aquilo que somos – e nós só fomos piorando, cada vez mais maus, cada vez mais egoístas, cada vez mais vingativos, a cada dia que nos enfrentávamos. Amor é aquilo que não tem explicação mas que ainda assim se explica pelo bem que faz em nós – e nós só conseguíamos ser inexplicáveis porque tudo o que nos fazíamos era mal. Amor não é o que nós somos – nunca foi o que nós fomos. E é por isso que agora, que sei que te amei demais e que por isso (porque amar não é nada disso) nunca te amei na realidade, sou capaz de perceber que só o que nos mata nos torna mais fortes; só o que nos obriga a morrer uma e outra e outra vez, morrer mesmo, morrer até ao fim, só isso é que nos torna mais fortes. E hoje, por mais que pense em ti, já não sou capaz de pensar em nós, em outra vez nós, em dolorosamente nós. Até porque, ficas a saber, nunca existiu nós. Só existiu eu menos eu e tu menos tu. E amar é a conta em que um mais um se faz tudo – e eu e tu só fomos capazes de nos fazer nada: de nos desfazermos em nada.
Amo-me demais para ser capaz de amar-te.
Pedro Chagas Freitas, in 'Prometo Perder'
E é essa a diferença entre amar demais e amar inteira, entre querer-te para sempre e recusar-te até nunca mais. Acreditei que o amor era isto: esta precisão, esta doentia necessidade de ti, esta incapacidade de continuar para além do que fomos, para além do que és, para além do que não podia deixar de ser. Acreditei que amar era a maior das precisões, a maior das necessidades. E foi assim que, lentamente, me fui desnecessitando: deixando de precisar de mim e passando a precisar de ti no meu lugar. Anulei-me para te deixar entrar; saí do poder para te deixar governar.
Mas até os amores desgovernados precisam de governo.
Havia a destruição entre nós. Pouco a pouco, todos os dias, nos íamos aniquilando, devorando, canibalizando sem piedade. Eu queria sempre mais de ti e tu querias sempre mais de mim. E não havia carne para tanta fome. E não havia medo para tanta vontade. Construímos, em nós, no que fomos, uma arma de destruição massiva: uma arma de destruição passiva e activa.
Todos os amores servem para construir.
Deixámo-nos de corpo há tanto tempo e a alma ainda te procura. Ainda cedo, aqui e ali, à tentação de saber como estás, à fraqueza de um telefonema teu que não consigo deixar por atender, às tuas palavras que me garantem que desta vez será diferente, que desta vez virás como homem e não como guerra. Vivo ainda em ti, vivo ainda – não há dia em que não te veja por dentro dos olhos – com o que és debaixo do que sou ou até por cima do que sou. Mas aprendi que o que somos e fomos não é nem nunca foi amor. Amor é aquilo que faz de quem ama mais do que aquilo que sem ele poderia ser – e nós só nos fomos reduzindo a cada vida que dividíamos. Amor é aquilo que obriga a ser melhor do que aquilo que somos – e nós só fomos piorando, cada vez mais maus, cada vez mais egoístas, cada vez mais vingativos, a cada dia que nos enfrentávamos. Amor é aquilo que não tem explicação mas que ainda assim se explica pelo bem que faz em nós – e nós só conseguíamos ser inexplicáveis porque tudo o que nos fazíamos era mal. Amor não é o que nós somos – nunca foi o que nós fomos. E é por isso que agora, que sei que te amei demais e que por isso (porque amar não é nada disso) nunca te amei na realidade, sou capaz de perceber que só o que nos mata nos torna mais fortes; só o que nos obriga a morrer uma e outra e outra vez, morrer mesmo, morrer até ao fim, só isso é que nos torna mais fortes. E hoje, por mais que pense em ti, já não sou capaz de pensar em nós, em outra vez nós, em dolorosamente nós. Até porque, ficas a saber, nunca existiu nós. Só existiu eu menos eu e tu menos tu. E amar é a conta em que um mais um se faz tudo – e eu e tu só fomos capazes de nos fazer nada: de nos desfazermos em nada.
Amo-me demais para ser capaz de amar-te.
Pedro Chagas Freitas, in 'Prometo Perder'
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