Repugna-me a mim e imagino que repugne à maior parte das pessoas. Mas como por detrás de uma grande repugnância pode estar uma grande verdade, prefiro falar dela em vez de ficar calado. Parece-me que a experiência espiritual, se levada a sério, mais tarde ou mais cedo nos levará a lugares interiores onde nos esperam experiências de morte. Não mortes biológicas. Não mortes únicas. Mas mortes interiores. Cíclicas. Uma espécie de incêndios que nos varrem por dentro sem nada podermos fazer, impotentes. Posso tentar descrever estas mortes.
Uma é a do contacto com os meus próprios limites. Para me contentar e confortar dou por mim tantas vezes à procura de satisfações e mais satisfações superficiais tentando preencher o vazio interior. Mas tudo se revela demasiado insuficiente. Há sempre um vazio que nem os mails, nem os SMS’s, nem os centros comerciais, nem os abraços, nem o futebol, nem o chocolate, nem os elogios podem preencher. Tudo isso se volatiliza perante o fogo. Então percebo que nada me vale. Percebo que eu próprio valho muito pouco. Que sufoco interiormente. Asfixio. E, ao suster a respiração, é para lá da minha resistência que experimento a carência total, a necessidade vital de Algo ou Alguém que é mais do que eu.
Outra morte é das relações. Todas as relações são para cuidar. Todas as relações são terra fértil de crescimento. Felizmente posso dizer que tenho muitos amigos. Pessoas de confiança, pessoas com quem posso partilhar o que sou e o que faço em cada dia. Mas, mais tarde ou mais cedo, vou percebendo que no limite, mesmo que eu quisesse, elas não são, não podem ser tudo na minha vida. Não são elas que vão preencher o meu vazio mais profundo. Não lhes posso pedir isso. Também o absolutizar estas relações me torna demasiado frágil perante o fogo interior que fustiga tudo o que encontra. Nesses momentos torna-se mais claro que não posso continuar a viver apenas da amizade, mas sou chamado a viver da própria fonte da amizade.
Outra, é a que eu chamo a morte de Deus. Mesmo sentindo que todas as coisas e todas as relações podem arder, desmoronar e ficar reduzidas a cinzas; mesmo que estas se relativizem em benefício de um caminho de intimidade com Algo ou Alguém mais alto, mais sólido; mesmo assim, há ainda uma morte para a qual ninguém pode estar preparado. É a morte do próprio Deus. Ou seja, a morte dos sentidos que percebem a presença de Deus. A pessoa entra numa penumbra interior. Experimenta apenas ausência. Seca interiormente. É um fogo imparável que atravessa a pessoa de lado a lado. As consolações ficam reduzidas a miragens. Deus parece querer que a pessoa cresça ainda mais, ensinando-a a viver sem o conforto sequer da Sua presença. Desta forma a pessoa toma ainda mais contacto com a sua pequenez, vê aumentar exponencialmente o desejo de Deus e torna-se simultaneamente mais sensível à miséria dos outros. Porque já conhece melhor a sua própria miséria interior.
Parece-me assim que, se tivermos uma vida espiritual profunda, mais tarde ou mais cedo, não nos restará senão assistir humildemente a um espectáculo doloroso de vertiginosas labaredas interiores que consomem tudo aquilo que é supérfluo em nós. Pelo fogo seremos limpos de toda a impureza. Acabaremos por ser obrigados a reconhecer que sobram apenas cinzas.
É um processo para o qual ninguém pode estar preparado. Daí que seja o caminho menos percorrido. Mas tudo isto só faz sentido porque é a morte do ego que leva a que nos tornemos cada vez mais a imagem fiel do nosso Deus. E isso significa tornarmo-nos cada vez mais fogo. Afinal é o próprio Deus o fogo que nos habita e nos queima. Celebrar as Cinzas é celebrar o tempo que os cristãos se deixam queimar e purificar por dentro para poderem ser o fogo, a luz, do Deus que os habita.
"Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado!"(Lc 12, 49)
“Ele manifesta-se pelo fogo e o fogo provará o que vale a obra de cada um. Se a obra construída resistir, o construtor receberá a recompensa; mas, se a obra de alguém se queimar, perdê-la-á; ele, porém, será salvo, como se atravessasse o fogo”(1 Cor 3, 13-15)
Uma é a do contacto com os meus próprios limites. Para me contentar e confortar dou por mim tantas vezes à procura de satisfações e mais satisfações superficiais tentando preencher o vazio interior. Mas tudo se revela demasiado insuficiente. Há sempre um vazio que nem os mails, nem os SMS’s, nem os centros comerciais, nem os abraços, nem o futebol, nem o chocolate, nem os elogios podem preencher. Tudo isso se volatiliza perante o fogo. Então percebo que nada me vale. Percebo que eu próprio valho muito pouco. Que sufoco interiormente. Asfixio. E, ao suster a respiração, é para lá da minha resistência que experimento a carência total, a necessidade vital de Algo ou Alguém que é mais do que eu.
Outra morte é das relações. Todas as relações são para cuidar. Todas as relações são terra fértil de crescimento. Felizmente posso dizer que tenho muitos amigos. Pessoas de confiança, pessoas com quem posso partilhar o que sou e o que faço em cada dia. Mas, mais tarde ou mais cedo, vou percebendo que no limite, mesmo que eu quisesse, elas não são, não podem ser tudo na minha vida. Não são elas que vão preencher o meu vazio mais profundo. Não lhes posso pedir isso. Também o absolutizar estas relações me torna demasiado frágil perante o fogo interior que fustiga tudo o que encontra. Nesses momentos torna-se mais claro que não posso continuar a viver apenas da amizade, mas sou chamado a viver da própria fonte da amizade.
Outra, é a que eu chamo a morte de Deus. Mesmo sentindo que todas as coisas e todas as relações podem arder, desmoronar e ficar reduzidas a cinzas; mesmo que estas se relativizem em benefício de um caminho de intimidade com Algo ou Alguém mais alto, mais sólido; mesmo assim, há ainda uma morte para a qual ninguém pode estar preparado. É a morte do próprio Deus. Ou seja, a morte dos sentidos que percebem a presença de Deus. A pessoa entra numa penumbra interior. Experimenta apenas ausência. Seca interiormente. É um fogo imparável que atravessa a pessoa de lado a lado. As consolações ficam reduzidas a miragens. Deus parece querer que a pessoa cresça ainda mais, ensinando-a a viver sem o conforto sequer da Sua presença. Desta forma a pessoa toma ainda mais contacto com a sua pequenez, vê aumentar exponencialmente o desejo de Deus e torna-se simultaneamente mais sensível à miséria dos outros. Porque já conhece melhor a sua própria miséria interior.
Parece-me assim que, se tivermos uma vida espiritual profunda, mais tarde ou mais cedo, não nos restará senão assistir humildemente a um espectáculo doloroso de vertiginosas labaredas interiores que consomem tudo aquilo que é supérfluo em nós. Pelo fogo seremos limpos de toda a impureza. Acabaremos por ser obrigados a reconhecer que sobram apenas cinzas.
É um processo para o qual ninguém pode estar preparado. Daí que seja o caminho menos percorrido. Mas tudo isto só faz sentido porque é a morte do ego que leva a que nos tornemos cada vez mais a imagem fiel do nosso Deus. E isso significa tornarmo-nos cada vez mais fogo. Afinal é o próprio Deus o fogo que nos habita e nos queima. Celebrar as Cinzas é celebrar o tempo que os cristãos se deixam queimar e purificar por dentro para poderem ser o fogo, a luz, do Deus que os habita.
"Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado!"(Lc 12, 49)
“Ele manifesta-se pelo fogo e o fogo provará o que vale a obra de cada um. Se a obra construída resistir, o construtor receberá a recompensa; mas, se a obra de alguém se queimar, perdê-la-á; ele, porém, será salvo, como se atravessasse o fogo”(1 Cor 3, 13-15)
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