Avançar para o conteúdo principal

se tudo fosse só teu (uma despedida)





Por quanto em mim
De ti havia
Que a alma me enganava
Em nova vida
Dei a sombra
Que me queimava
E era minha,
Mas mesmo assim
Não me seguia.


De tanto querer
Achei em mim
A pessoa querida
Que eras tu,
E assim esqueci
Por completo
Quem era
Ao certo
Quem te queria.

Era eu,
Fui sempre eu
Que tu,
A ver comigo,
Que com o meu amor,
Nada eras
E nada tinhas.

Por muito ter amado
Em tão pouca coisa
Percebi quanto doía
O que também me era dado:
Amar sem querer mais nada
E deixar-me ficar
Só por ti.

Em vez de também me dar
Para teu mal
E para meu,
Calava-te,
Amava-te,
E mais não fiz
Senão isto,
Que tu um dia dirás
Se é verdade ou não,
Calava-me, amava-te:
Recebia-me.

E ia deitando tudo fora,
Tudo o que foi teu
E me foste dando,
À medida que mo davas.
Como havia de guardar
O que não me pertencia?

Fui recebendo.
Depois dei por mim
E sabes que mais?
Morria.
Alguém morria.

Por tudo o que uma vez foi teu
E teu, apenas,
Amor,
Alguém morria
Mas era alguém

Que não era eu.

miguel esteves cardoso
apeadeiro
revista de atitudes literárias
primavera de 2002 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr...

Eis-me

Eis-me Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face Mas tu és de todos os ausentes o ausente Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca O meu coração desce as escadas do tempo [em que não moras E o teu encontro São planícies e planícies de silêncio Escura é a noite Escura e transparente Mas o teu rosto está para além do tempo opaco E eu não habito os jardins do teu silêncio Porque tu és de todos os ausentes o ausente Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'