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Nenhum olhar

O meu corpo e o que não é o meu corpo e ainda sou eu, tudo em mim, eu, o pedaço negro de céu ou de pedra, céu dentro do interior de uma pedra, fechado na solidão sólida de uma pedra, a nunca ter visto o sol, a nunca ter respirado, eu, mesmo eu, eu sou uma exaustão terminal. Sou o marotonista que deu a volta ao mundo para levar uma carta a si próprio e que, agora que se encontrou, já não é o mesmo, e que agora, ofegante, só quer inclinar-se de um precipício e respirar, e lhe tapam a boca, e muitas pessoas com muitas mãos lhe tapam a boca. O meu coração é o vácuo nos olhos de um condenado. A minha sombra é a minha solidão. Todo eu me cansei. Todo o meu cansaço colidiu com o meu cansaço, e todo eu sou isso. A noite onde morreste anoiteceu no que sou. Começou a manhã, e a noite passada é um cadáver a apodrecer dentro de mim. Irmão, não posso com os meus braços, e a claridade é a escuridão a segurá-los. Estou estafado e moído, como se tivesse sido pisado por mil pés, e preferia ter sido pisado por mil pés. Estou morto, como se tivesse morrido na hora em que morreste, e preferia ter morrido contigo. Sou aquele que é só irmão e que não tem irmão. Sou o que espera ainda. Ao menos um último olhar teu, ao menos a esperança pequena de um último olhar teu. Perdi tudo. Perdemos tudo, irmão. Estou cansado. Espero uma palavra a nascer dos teus lábios. Diz-me, por favor, que posso descansar.

nenhum olhar
josé luís peixoto

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