"Ele também faz isto?!" - a minha surpresa foi tão grande que não me contive a perguntar. O António convidara-me para jantar em sua casa - uma destas mega-comunidades romanas, com mais de setenta jesuítas [enfim, um transatlântico mas com religiosos lá dentro :)] - e, como bons portugueses, ainda estávamos no refeitório à hora em que alguém arruma tudo. Ao assistir àquela cena, fiquei com a colher a meio, entre a pêra doce e a boca. A recolher a comida que sobrava e a arrumar pratos e talheres sujos, estava o próprio superior da comunidade! Ele, um homem com um curriculum interminável - de professor universitário, doutorado, escritor, reitor, superior disto e daquilo, especialista no diálogo com a cultura e com a não-crença, consultor do Papa; um jesuíta intelectualmente brilhante, com coração puro, um mestre espiritual; e com idade e saúde que já estiveram para o levar para a outra vida. Tudo somado, a pergunta saiu-me com naturalidade: "Ele também faz isto?!". O António provocou-me: "porquê? quando chegares à sua idade queres ser dispensado destes serviços, é?", mas a minha cabeça já recuara para a aula que tivera naquela tarde. Estivéramos a falar exactamente do lava-pés. Faláramos do que poderia significar: para os discípulos, para aquele tempo, para nós. E imaginei os discípulos a fazer a mesma pergunta: "Ele também faz isto?!". O que não poderia esperar era ter aquele lava-pés-mesmo-a-sério, poucas horas depois. “Se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros” [Jo 13,14]. Uma verdadeira bofetada espiritual.
http://joaodelicadosj.blogspot.pt/2012/04/lava-pes-ultima-ceia-jesus-cristo.html
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