“Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto.” (Jo. 12, 24) Jesus ressuscitado conserva no seu corpo as marcas da Paixão. E isto faz toda a diferença. Se as marcas da Paixão tivessem desaparecido, se não houvesse relato nenhum de que Tomé tivesse podido tocar nas mãos e no lado de Jesus, corríamos o risco de pensar que a Paixão foi apenas alguma coisa evitável, que a Ressurreição tratou de resolver. Mas a Paixão e a Ressurreição são indissociáveis, não há uma sem a outra, porque não existe ninguém que ao amar também não morra. É claro que isto provoca em nós uma espécie de repulsa mas o verdadeiro amor, aquele de que Jesus viveu, é a escolha, é o acto, é a atitude de pôr o outro à nossa frente, ou, como diz S. Paulo, “considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros.” (Fil. 2, 3-4) Corremos o risco de olhar para a Ressurreição como a esperança do prolongamento ao infinito da nossa vontade de conservar e guardar a vida, sem a entregar. Mas como dizia a Madre Teresa: “Aquilo que não se dá, perde-se.” Não me parece que a boa vontade e o esforço cheguem para dar a vida como Jesus. Santo Inácio, ao longo dos Exercícios Espirituais insiste que foi “por mim” que Jesus se fez homem, viveu, morreu e ressuscitou. Não foi pela humanidade em geral, foi por cada um de nós. Enquanto não perceber intimamente que foi “por mim”, enquanto achar que não sou digno que seja “por mim”, também nunca perceberei o que é amar como Jesus amou nem o que é dar a vida como Jesus deu. | |
|
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983
Comentários
Enviar um comentário