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Se eu, com 4 anos, falasse de santos  diria que ser santo é ser super-herói, ter aquela capa protetora que defende de todo o mal, agarrar-se a arranha-céus sem cair e lançar redes gigantes que salvam mundos.
Mas, com 4 anos, não sabia que ser santo está muito distante de tudo isto, vai muito além de ser forte e inquebrável ou de ter a espetacularidade nos gestos.
A santidade inscreve-se em cada um de nós como se nos fosse despindo destes ideais de grandeza e fortaleza. Reveste-nos por dentro de cada vez que somos mais inteiros, quando nos reconhecemos frágeis e, nessa fragilidade, a fortaleza de um Outro; quando somos alimento e a nossa vida se completa porque se entrega, não a salvar em grandes gestos, mas entranhada no quotidiano, com o coração e a vontade centrada no outro; de cada vez que nos despimos do que nos aquece e revestimos o outro com os mesmos gestos que nos vestiram e respondemos com vida à vida que recebemos. É precisamente aí que se vai completando a santidade – quando sou mais eu, mais autêntico em tudo o que vivo, sinto e faço, porque Alguém vai sendo em mim e através de mim.
É na complexidade do dia-a-dia que vamos reconhecendo que ser santo é simplesmente ser filho e irmão, é acreditar que na nossa condição convive a graça e que essa, sim, nos basta.

“Deste-me, Senhor, o ser e um ser tal que se pode tornar cada vez mais capaz da tua bondade e da tua graça. E esta força, que recebo de ti, na qual tenho a imagem viva da virtude da tua omnipotência, é a vontade livre pela qual posso ampliar ou restringir a capacidade de acolher a tua graça. Ampliá-la tornando-me semelhante [a Ti], quando me esforço por ser bom porque tu és bom, quando me esforço por ser justo porque tu és justo, quando me esforço por ser misericordioso porque tu és misericordioso; quando todo o meu esforço não está voltado senão para ti, porque todo o teu esforço está voltado para mim (...).” Nicolau de Cusa in A Visão de Deus

Luísa Sobral 
01.11.2012
http://www.essejota.net/index.php?a=vnrhrlqqvkuivvqluprhrsqhutrhqqqkqruiqjrururtqprnvvqnqlqr

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