Hoje, acordei a pensar no Meco, numa gruta de desespero onde silenciados pela bruma gritam aqueles que agora vêem os seus meninos regressar pela mão do mar, pela exaustão da ondas. Vêem os seus meninos longe das suas mãos, longe de toda a eternidade que lhes juraram enquanto seus, divinamente seus. Longe de tudo aquilo que é vida, que era a sua vida, a única a que um dia juraram morrer abraçados.
Hoje, não os consigo imaginar em peregrinação para qualquer outra gruta que não seja aquela praia. O mar, tirano mar, que a tantos consola e apruma velas, roubou-lhes o berço onde também eles nasciam. Hoje, não os consigo imaginar sentados à volta de nenhuma mesa que não seja aquele areal, em redor de todas aquelas rochas afastadas, como cadeiras afastadas da mesa para fingir espaço, como quem quer enganar a morte. Não os consigo imaginar beber de qualquer outra recordação que não seja aquela noite trágica, que não permite mais lembranças, que faz doer lembrar. Não consigo imaginá-los hoje junto dos que amam, porque quem mais amam, aquele menino que nunca saiu do seu ventre, preenche agora um vazio no fundo do mar.
Hoje não consigo mais do que pensar que o mar vomita agora aquilo que nunca foi seu. Rejeita hoje aos poucos, como quem lentamente se arrepende, os sonhos, as vidas, os filhos por vir daqueles que numa noite nunca imaginaram que hoje, véspera de Natal, os seus pais estariam num areal, junto ao barulho ensurdecedor e ladrão do mar, a prolongar toda uma vida que agora vai ser sempre ali. Naquela costa, onde o mar deposita o corpo de um menino que já mais não chora. Naquela costa onde nada se recebe ou aconchega com palhinhas, mas com um altar a um Deus que numa noite de tragédia lhes faltou. É a ironia triste da partida.
Patrícia Oliveira
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