Brian Kershisnik, Nativity (2006)
Na mesma lógica do Domingo passado (IV Advento), o evangelho continua a apresentar o papel imprescindível de José, servo da Palavra. Mais do que o comportamento de um autómato, a resposta imediata de José às palavras do Anjo é fruto de uma obediência no sentido mais autêntico da palavra: ob-audire, ouvir com assentimento. Entre o binómio de verbos “o Anjo disse/José levantou-se (tomou o menino e a mãe e partiu)” e o outro “o Anjo disse/José (de novo) levantou-se, tomou…” há um longo e verdadeiro itinerário no tempo e no espaço, itinerário de treino na adesão à vontade de Deus, de escuta atenta e criativa. Ouvir e esperar a vontade e Deus exige um exercício árduo e constante, mas é a única forma de estar prontos para a resposta justa, na altura certa, uma espécie de “assertividade espiritual”.
O percurso de Jesus vai do ser salvo ao ser Salvador. Ainda antes de dar vida aos outros, é Jesus quem vê a sua vida protegida por outros, por alguém, por José. Antes d’Ele, outros desceram ao Egipto para sobreviver: Jacob e os seus filhos aí foram para fugir à fome e foi José, um dos irmãos (inúmeras vezes interpretado pelos Padres da Igreja como figura-tipo de Jesus), que lhes mereceu a subsistência. Também aí Moisés viveu a sua história de risco-salvação: foi o único menino hebreu salvo das mãos do rei iníquo, o faraó, e Jesus, no Egipto, é salvo das mãos de Herodes. Moisés significa “salvo das águas”, Jesus significa “Deus (é) Salvador”. ). Finalmente, Jesus lidera a procissão de regresso à pátria, à Terra Prometida e tal acontece, como a Moisés, em cumprimento de uma profecia: “Do Egipto chamei meu filho” (Os 11,1).
A imagem, pois, que nos apresenta o evangelho deste Domingo chamado da “Sagrada Família” é tudo menos idílica e poética. É dramática. A história de Jesus é a de tantos refugiados e exilados, vítimas do fanatismo político e religioso. A arte cristã habitou-nos às representações da Sagrada Família com José e Maria e Jesus ao meio: não é uma questão de ser fotogénicos, preparadinhos para o mural do facebook, mas é sim o símbolo de alguém de tenra idade que necessita absolutamente ser protegido.
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