Avançar para o conteúdo principal


Talvez porque vivemos numa cultura que nos impele quase sempre à vitória, à posse e à conquista, em que o sucesso é geralmente medido pela quantidade e em que parece que só os heróis (façam o que fizerem, desde que sejam heróis) é que são dignos de admiração, deixámos de dar espaço. Sim, deixámos de ceder terreno.

Mas a que é que deixámos de dar de espaço? A tudo. Simplesmente, não queremos perder nada. De alguma forma, julgamos que a nossa liberdade é algo que devemos preservar a todo o custo, o que é óbvio, mas o problema é que confundimos essa liberdade com a nossa vontade de não sermos condicionados, de sermos independentes, de termos tudo na nossa mão.

Seja na relação que temos uns com os outros ou na relação que temos com Deus, a sensação é de que temos de conquistar alguma coisa. Mas, na verdade, parece-me que se trata muito mais de dar espaço ao Outro, deixar que seja o Outro a conquistar terreno em nós, ainda que isso nos desarrume e nos roube tempo e nos implique e nos comprometa. De outro modo, esquecemos que o amor não é apenas dom mas que é também acolhimento, esquecemos que, em primeiro lugar, fomos e somos acolhidos por Alguém.

Duarte Rosado, sj 
15.06.2012

http://www.essejota.net/index.php?a=vnrhrlqqvkuivvqluprhrsqhutrhqqqkqruiqjrursrlqtrnvvqnqlqrvrqjrurn

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr...

Eis-me

Eis-me Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face Mas tu és de todos os ausentes o ausente Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca O meu coração desce as escadas do tempo [em que não moras E o teu encontro São planícies e planícies de silêncio Escura é a noite Escura e transparente Mas o teu rosto está para além do tempo opaco E eu não habito os jardins do teu silêncio Porque tu és de todos os ausentes o ausente Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'