Levei-o ao hospital. Assisti, assim, a uma das primeiras consultas do Banco, apressadas, quase brutais, em que toda a gente tinha o ar de estar ali por empréstimo. Médicos, enfermeiros, funcionários, pareciam atormentados pela ideia de algum outro serviço importante e inadiável. O primo ficou internado, sob a tremenda suspeita de um cancro na bexiga. Visitava-o diariamente, embora nada tivéssemos a dizer um ao outro. Ele não tinha apetite, secava como uma árvore desfolhada. Encarreguei um enfermeiro de lhe comprar leite fora do hospital.
Pela primeira vez, sentia-me misturado nesse ambiente. As horas ali à beira do primo Lucas revelaram o interior dum mundo que até aí servia apenas de ilustração das teorias aprendidas. Um mundo trágico e nojento. Ali, os nossos pulmões sorviam a doença. Um ar salobro, uma luza amarela. Fístulas horrrendas, rostos tremendamente resignados ou ansiosos, urinas grossas, gemidos em bocas escuras. Macarrão no fundo dos pratos, branco empastado repelente. Em tudo isto cheirava. Um odor que ia das narinas ao estômago, contorcendo-o de nojo. Dantes, entrava ali com um ar afadigado e breve dos mestres. O ambiente satisfazia a nossa vaidade profissional. Tudo isso, agora, tinha um significado humano. Dores e chagas atormentando homens como eu e não curiosas entidades clínicas. Causavam pena, respeito e repulsa física.
In: Fernando Namora, Retalhos da Vida de um Médico (p.44-45). Lisboa: Editorial Inquérito, 1949
Pela primeira vez, sentia-me misturado nesse ambiente. As horas ali à beira do primo Lucas revelaram o interior dum mundo que até aí servia apenas de ilustração das teorias aprendidas. Um mundo trágico e nojento. Ali, os nossos pulmões sorviam a doença. Um ar salobro, uma luza amarela. Fístulas horrrendas, rostos tremendamente resignados ou ansiosos, urinas grossas, gemidos em bocas escuras. Macarrão no fundo dos pratos, branco empastado repelente. Em tudo isto cheirava. Um odor que ia das narinas ao estômago, contorcendo-o de nojo. Dantes, entrava ali com um ar afadigado e breve dos mestres. O ambiente satisfazia a nossa vaidade profissional. Tudo isso, agora, tinha um significado humano. Dores e chagas atormentando homens como eu e não curiosas entidades clínicas. Causavam pena, respeito e repulsa física.
In: Fernando Namora, Retalhos da Vida de um Médico (p.44-45). Lisboa: Editorial Inquérito, 1949
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