Avançar para o conteúdo principal

Eu, médica?

Principalmente nos países mais desenvolvidos e já começa a ser frequente em Portugal, os indivíduos vão consultar um especialista que eu indiquei e depois vêm perguntar-me se está certo o que ele fez. Mas eu indiquei-lho, não o posso pôr em causa!, mas querem a minha opinião, porque no subconsciente e inconsciente colectivo começa hoje a ter importância que haja alguém que precisa de nos conhecer para nos poder atender direito. E esse alguém não é o médico que num quarto de hora viu a pessoa, que normalmente até nem falou com ela, foi o aparelho que lhe deu os dados, reduz a pessoa a uns números e a pessoa sai dali desconfiada: "Este homem sabe muita coisa mas não tem nada a ver comigo, eu tenho outros problemas."
(...) Havia na minha casa em Trás-os-Montes uma sala de visitas, que era uma coisa terrível, que estava sempre fechada, onde nós não podíamos entrar e que tinha uma cadeira que era do Senhor Doutor, onde ninguém se sentava excepto o Dr. Madeira Pinto, que já era desactualizado para o seu tempo mas que era extremamente útil. Às vezes eu digo isso lá em Vila Real aos médicos: vocês são sábios mas são menos úteis que o Dr. Madeira Pinto porque era ignorante mas era extremamente útil, porque tinha senso comum, um grande interesse pelos doentes e um conhecimento exacto das situações e mesmo sabendo pouco, sabia que sabia pouco e então dava conselhos às pessoas...vocês sabem muito, mas não sabem utilizar o que sabem, estão desinteressados, ansiosos por acabar as coisas, parece que o doente não vos justifica, mas vocês só são médicos porque há doentes...

Entrevista ao Prof. Doutor Nuno Grande
In: Constança Paúl, Psicossociologia da Saúde (p.39)

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr...

Eis-me

Eis-me Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face Mas tu és de todos os ausentes o ausente Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca O meu coração desce as escadas do tempo [em que não moras E o teu encontro São planícies e planícies de silêncio Escura é a noite Escura e transparente Mas o teu rosto está para além do tempo opaco E eu não habito os jardins do teu silêncio Porque tu és de todos os ausentes o ausente Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto'