Trazemos no regaço desta capulana, como mãe moçambicana que protege o seu rebento mais precioso, a cruz que nos foi confiada quando partimos em missão. Dezasseis pequenas cruzes uniram-se em 2011 para ser e estar junto daqueles que descobrimos carregar cruzes bem maiores, ainda que o sorriso desarmante frequentemente roube atenção aos pés descalços ou à mesa vazia de pão. Pequenas cruzes como estas estão guardadas, mais do que penduradas ao pescoço, no coração de cada um de nós. Com elas partilhámos vida e mais vida de pés descalços ao luar, orações simples, ternas, numa pequena capela improvisada, em que, no final do dia, nos entregávamos uns aos outros e nos braços do Pai, o trabalho diário que tanto nos preenchia nas diferentes casas, viagens inesquecíveis de machimbombo entre palmeiras e cubatas, os rostos, os nomes e os olhares daqueles que carinhosamente nos chamavam "Manos" e hoje adensam uma névoa da saudade. Cada uma das nossas cruzes carrega ainda o pó do chão vermelho, o tempo sem tempo, a urgência de gestos de uma terra que contou com as nossas mãos: mãos que escolheram entregar-se, mãos que escolheram servir, mãos que escolheram ficar cheias de tudo e cheias de nada. Mãos que cozinharam, escreveram, desenharam, tocaram, ensinaram na terra...afagaram e fizeram quase sonhar, porque descobrimos, também nas cruzes que connosco partilharam, que até para sonhar é preciso ter condições. Por isso louvamos o Pai. Porque de entre todas as mãos que poderiam partir em missão, Deus proporcionou que fossem as nossas mãos a servir. E isso deixa marcas. África deixa marca. Depois de África perdura a saudade que não se esgota, talvez porque em África ninguém diz "Adeus". Todos dizem "Estamos Juntos". Para sempre.
(Texto lido no AJUDA à Festa, 2014)
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