É difícil que um cristão dos nossos dias não seja confrontado com vários tipos de discurso assumidamente cristãos que, por estarem centrados na experiência do sofrimento, da dor e da culpa são lidos como antiquados ou "negativos". Temos muita dificuldade em conciliar a ideia de que a vida é uma bênção, qualquer coisa boa e digna de ser agradecida, com a ideia de que a vida é um "vale de lágrimas" e, no nosso tempo, tendemos a deixar ganhar a primeira em relação à segunda. Essa tendência - que se revela também em não prestarmos muita atenção a algumas passagens do Evangelho ou então a tentar suavizá-las - pode ter várias justificações pastorais válidas, mas não é por isso que deixa de ter um grande perigo de que o Papa Francisco muito fala: o perigo de tirar a Cruz do Cristianismo.
Acho que essa tendência vence tão fácil e frequentemente porque gostamos muito de associar Jesus Cristo a um conceito de felicidade muito vago onde tanto cabe uma coisa como o seu contrário. Mas como é que se pode dizer que um homem crucificado, abandonado por quase todos, desprezado e cuspido, completamente fracassado, sem trabalho nem filhos, sem dinheiro e sem casa fixa, pode ser a felicidade em pessoa? Certamente nenhum de nós deseja isso para si. Certamente que quando imaginamos a nossa vida feliz não imaginamos este cenário.
O próprio Jesus nas Bem-aventuranças deixa as coisas bem claras. A vida de que ele veio falar, a vida que nos veio oferecer não é nada mais nada menos do que a completa e total inversão daquilo que nós julgamos naturalmente ser a felicidade. Felizes são os que choram, os que são pobres, os que são perseguidos. O texto de S. Lucas não deixa margem para dúvidas: "ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! Ai de vós, quando todos disserem bem de vós!". Se tirarmos as lágrimas da vida, provavelmente estaremos também a tirar Cristo.
De tudo isto não se segue que o caminho que devemos tomar seja o da procura do sofrimento a todo o custo. É mentira e é perigoso dizer que uma vez que Cristo está onde o sofrimento está, quanto mais sofrimento, mais Cristo. Mas por outro lado, decididamente o sofrimento não é qualquer coisa a eliminar o mais depressa possível ou a esconder num canto da existência. Não foi isso que Jesus fez e nós cristãos não o podemos fazer. O sofrimento, a morte e a culpa não são a negação da vida que nos está reservada como verdadeira vida feliz. A Cruz é para ser elevada. O sofrimento é para ser elevado, para ser mostrado aos homens: só assim se pode aprender o que é a verdadeira felicidade. Na Cruz o sofrimento, a culpa e morte com a presença de Cristo passam de monstros a professores, passam de armas destruidoras, a sinais de que estamos feitos para mais do que aquilo que este mundo nos oferece. Mas nessa passagem não deixam de ser sofrimento, culpa e morte.
A alegria cristã tem ser uma alegria sofrida. A alegria cristã tem de ser uma alegria impossível. A alegria dos pobres, dos fracassados, dos fracos, dos que choram. A vida é um vale de lágrimas, sim senhor. Mas enquanto chora, o cristão reza o Salmo: "Ainda que passe por vales tenebrosos, sei que tu estás comigo".
Vasco Cordovil Cardoso
12.05.2014
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