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Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2013

Conquista

Livre não sou, que nem a própria vida Mo consente. Mas a minha aguerrida Teimosia É quebrar dia a dia Um grilhão da corrente. Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino. E vão lá desdizer o sonho do menino Que se afogou e flutua Entre nenúfares de serenidade Depois de ter a lua! Miguel Torga (1907-1995)

Silêncio nas palavras

O monopólio da bondade

Que a Internet, as caixas dos comentários e as redes sociais são terreno fértil para que a estupidez humana cresça firme e viçosa, já todos nós sabemos há muito tempo. E por isso, o que há de novo nas reacções à morte de António Borges não são, de todo, os textos anónimos e mal-educados que celebram a morte de um ser humano. A isso já estamos habituados. O que há de novo são os textos assinados e bem-educados de pessoas como Pedro Tadeu e Baptista-Bastos (ambos no DN), que sentiram necessidade de assinalar a morte de António Borges com uma denúncia das suas posições ideológicas, em vez da costumeira suspensão das hostilidades por altura da morte de uma figura pública. Algum estudante de Sociologia ou de Ciência Política deveria comparar as reacções à morte de Miguel Portas com as reacções à morte de António Borges. Suponho que teria ali material para uma tese de doutoramento. É que essa diferença de reacções e de olhares diz muito sobre a cultura política portuguesa e o seu eterno d

Tornar fecundo o ponto de partida

Muitas vezes parecemos estar à espera de um qualquer sinal espetacular para tomar uma decisão de vida sempre adiada. E queixamo-nos de falta de meios para, então sim, levar a cabo aquela transformação necessária ou aquela viragem desejada ou, mais adiante ainda, aquela concretização que indefinidamente protelamos. Contudo, as verdadeiras transformações inventam os meios próprios para se expressarem, e estes, regra geral, começam por ser espantosamente modestos. Fernando Pessoa, com a caricatura dos que “conquistam o mundo sem levantar-se da cama”, refere, no fundo, uma doença interior infelizmente muito comum: idealizamos de tal maneira o que pode ser a vida que ela perde, depois, o jogo por falta de comparência, sequestrada num plano cada vez mais mental e abstrato. Se a vida não decorre como imaginamos, baixamos as persianas e preferimos não vivê-la. Ora, se não estamos dispostos a aprender com a sabedoria dos pequenos passos e com a dinâmica do provisório dificilmente alcançaremos
Assustei-me um pouco quando ouvi bater, não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era apenas a solidão, Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca... O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago
Quando nos aeroportos faço o  check-in , perguntam-se habitualmente se Londres é o meu "destino final". Nem sempre resisto à tentação de dizer: "Não, espero que seja o Céu". Timothy Radcliffe, "Imersos na vida de Deus" (Paulinas), p. 247
Quem nos viu e quem nos vê, se melhor ou pior, depende de estar vivo e ter viva a esperança. O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago
Não tem mais que fazer neste sítio, o que fez nada é, dentro do jazigo está uma velha tresloucada que não pode ser deixada à solta, está também, por ela guardado, o corpo apodrecido de um fazedor de versos que deixou uma parte de loucura no mundo, é essa a grande diferença que há ente os poetas e os doidos, o destino da loucura que os tomou. O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago
Cada um de nós tem dois lugares, aquele onde nasceu, aquele onde vive, por isso é que tantas vezes ouvimos dizer, Ponha-se no seu lugar, e esse não é onde nascemos, se é preciso acrescentar. O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago
Um homem mesmo com os seus dois olhos intactos precisa duma luz que o preceda, aquilo em que acredita ou a que aspira, as próprias dúvidas servem, à falta de melhor. O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago

Para contigo atravessar o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminhei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento Sophia de Mello Breyner Andresen

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta Continuará o jardim, o céu e o mar, E como hoje igualmente hão-de bailar As quatro estações à minha porta. Outros em Abril passarão no pomar Em que eu tantas vezes passei, Haverá longos poentes sobre o mar, Outros amarão as coisas que eu amei. Será o mesmo brilho, a mesma festa, Será o mesmo jardim à minha porta, E os cabelos doirados da floresta, Como se eu não estivesse morta. Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar

I De todos os cantos do mundo Amo com um amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua, Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. Sophia de Mello Breyner Andresen
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam. Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos. Com doçura. Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites. Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela. Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz. Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste. jose saramago

Hora

Sinto que hoje novamente embarco Para as grandes aventuras, Passam no ar palavras obscuras E o meu desejo canta --- por isso marco Nos meus sentidos a imagem desta hora. Sonoro e profundo Aquele mundo Que eu sonhara e perdera Espera O peso dos meus gestos. E dormem mil gestos nos meus dedos. Desligadas dos círculos funestos Das mentiras alheias, Finalmente solitárias, As minhas mãos estão cheias De expectativa e de segredos Como os negros arvoredos Que baloiçam na noite murmurando. Ao longe por mim oiço chamando A voz das coisas que eu sei amar. E de novo caminho para o mar. Sophia de Mello Breyner Andresen

OS INSTANTES

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo. os assuntos que julgámos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo. por si só, o tempo não é nada. a idade de nada é nada. a eternidade não existe. no entanto, a eternidade existe. os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. os instantes do teu sorriso eram eternos. os instantes do teu corpo de luz eram eternos. foste eterna até ao fim. José Luís Peixoto
(…) Nesse lugar pensei: “Quanto deserto atravessei para encontrar aquilo que morava entre os homens e tão perto” Sophia de Mello Breyner Andresen
Um dia saberás que nasceste como eu com a solidão nos olhos atados na lua a gritar no pesadelo de uma ilha. E a ver a morte crescer lentamente no teu corpo - viva. José Gomes Ferreira

Silêncio nas palavras

“O Poeta beija tudo, graças a Deus… e aprende com as coisas a sua lição de sinceridade… e diz assim: É preciso saber olhar… E pode ser, em qualquer ideia, ingénuo como as crianças, entusiasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos… E levanta uma pedra escura e áspera para ver o que está por detrás… E perde tempo (ganha tempo…) a namorar uma ovelha… E comove-se com coisas de nada… Acha tudo importante… Pega no braço dos homens que estão tristes e vai passear com eles para o jardim… E reparou que os homens estavam tristes… E escreveu uns versos que começam desta maneira: “o segredo é amar…”                                                                                                                  Prof Hernâni Cidade
Passo. Amo. Ardo. Água? Brisa? Luz? Não sei. E tenho pressa: Levo comigo uma criança Que nunca viu o mar.  Eugénio de Andrade
Dizes que sou nascente abundante e não vens beber. Dizes que sou um vinho de grande reserva e não te embriagas. Dizes que sou brisa suave e não abres as tuas janelas. Dizes que sou luz e segues pelas trevas. Dizes que sou óleo perfumado e não te unges. Dizes que sou música e não te ouço cantar. Dizes que sou fogo e continuas com frio. Dizes que sou força divina e estás muito frágil. Dizes que sou advogado e não me deixas defender-te. Dizes que sou consolador e não me contas os teus sofrimentos. Dizes que sou dom e não abres para mim as tuas mãos. Dizes que sou paz e não escutas o som da minha flauta. Dizes que sou vento forte e continuas sem mover-te. Dizes que sou defensor dos pobres e tu afastas-te deles. Dizes que sou liberdade e não deixas que te impulsione. Dizes que sou oceano e não queres mergulhar. Dizes que sou amor e não me deixas amar-te. Dizes que sou testemunha e não me perguntas. Dizes que sou sabedoria e não queres a

O simples e o complexo

José Tolentino Mendonça In  Diário de Notícias (Madeira) 11.06.11  Há uma estação no nosso caminho em que o simples e o complexo convivem numa harmonia que nos ajuda a perceber mais profundamente a promessa profética de que o lobo e o cordeiro passearão juntos. A verdade é que, por muito tempo, olhamos para essas realidades em contraposição. Orientamos a nossa vida no desejo de uma coisa ou de outra, numa visão balizada, tranquilamente dicotómica, por acreditarmos que o simples e o complexo são coisas bem distintas. À primeira vista parece que fomos criados para verdades simples e só essas respondem cabalmente às expectativas do coração humano. Uns dirão que a razão disso repousa unicamente na nossa incurável necessidade de segurança, e que verdadeiramente nada é simples, nada se colhe até ao fim num vislumbre imediato, e que o caminho que todos fazemos é do simples (que tem de ser deixado) para alcançar o complexo (que é o fatal ponto de chegada). E dão como exemplo a infância
Anoche soné que oía  a Dios, gritándome: ¡Alerta!  Luego era Dios quien dormía,  y yo gritaba: ¡Despierta! Antonio Machado

Nostalgia

"¿De qué se nutre la nostalgia? Uno evoca dulzuras cielos atormentados tormentas celestiales escándalos sin ruido paciencias estiradas árboles en el viento oprobios prescindibles bellezas del mercado cánticos y alborotos lloviznas como pena escopetas de sueño perdones bien ganados pero con esos mínimos no se arma la nostalgia son meros simulacros la válida la única nostalgia es de tu piel" -Mario Benedetti. Nostalgia