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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2020
a saudade primavera austera demanda de luz golpe de paz espada de angústia rezo eu e zangam-se os deuses o mar recolhe, torna crinas soltas areia ardente calas o sussurro e é verão esgotam-se os dias vazam as miragens vento encanado entras na contradança e é outono tormentas sem cabo chuva na eira casas sem homens e tu sem casa e é inverno a saudade primavera austera PO
peço ao tempo com tempo o tempo de clausura                 para viver tudo o que não viverei hei-de sentir                                     finalmente o travo das amoras que os meus pais colheram muito antes de mim PO
Há mensagens cujo destino é perder-se, palavras anteriores ou posteriores ao destinatário, imagens que saltam do outro lado da visão, signos que apontam para cima ou para baixo do alvo, sinais sem código, - mensagens embrulhadas em outras mensagens, gestos que chocam com a parede, um perfume que retrocede sem achar a sua origem, uma música que se derrama sobre si mesma como um caracol definitivamente abandonado. Mas toda a perda é o pretexto de um achado. As mensagens perdidas inventam sempre quem deve encontrá-las. Roberto Juarroz
Alheios à catástrofe geral e ao frio que faz despimo-nos colocamos na banca de cabeceira o relógio a pulseira os brincos e o mal de viver Enquanto lá fora pela cidade os outros (à sua maneira também alheios) almoçam riem conversam nós percorremos devagar as áleas de um jardim rui caeiro o quarto azul e outros poemas o sangue a ranger nas curvas apertadas do coração maldoror
nós que vivemos graves junto da madeira velha de nossas casas mastigando alguns talos de couve mal cozida e pano de lençol com dentes já usados nós que transcrevemos as manchas e rasgamos rascunhos muito antigos e alguns novos projectos recuperando móveis e faianças e todas as maçãs onde habitámos nós que temos cimento ferramentas greves e um pouco de corelli e um sistema respiratório e caracteres de imprensa e um plano geral de arruamentos e que temos livros e que estamos vivos podemos construir alguma coisa vasco graça moura noite poesia 1963/1995 quetzal editores 2007

Corona-VÊ-ME!

Ilustração: Severi

Marinheiro sem mar

Longe o marinheiro tem Uma serena praia de mãos puras Mas perdido caminha nas obscuras Ruas da cidade sem piedade Todas as cidades são navios Carregados de cães uivando à lua Carregados de anões e mortos frios E ele vai baloiçando como um mastro Aos seus ombros apoiam-se as esquinas Vai sem aves nem ondas repentinas Somente sombras nadam no seu rastro. Nas confusas redes de seu pensamento Prendem-se obscuras medusas Morta cai a noite com o vento E sobe por escadas escondidas E vira por ruas sem nome Pela própria escuridão conduzido Com pupilas transparentes e de vidro Vai nos contínuos corredores Onde os polvos da sombra o estrangulam E as luzes como peixes voadores O alucinam. Porque ele tem um navio mas sem mastros Porque o mar secou Porque o destino apagou O seu nome dos astros Porque o seu caminho foi perdido O seu triunfo vendido E ele tem as mãos pesadas de desastres E é em vão que ele se ergue entre os sinais Buscando pela luz da madrugada pura Chamando pelo vento que há no cais