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A mostrar mensagens de agosto, 2016

A que distância deixamos nós o coração?

Num mundo à procura de si próprio talvez a maior fragilidade seja a de não perceber ou querer perceber fragilidade alguma. “A minha aldeia tinha árvores grandes. Chorei muito quando a queimaram”. Borrões. Letra incerta e erros. A história real do Pedro – que será feito dele ? – é igual a de tantos outros meninos moçambicanos, tantos outros meninos africanos. Homens armados assaltaram a povoação onde vivia. Queimaram, mataram. E o Pedro viu a mãe, o pai, os tios, os vizinhos ser degolada. O Pedro tinha 12 anos estava internado no departamento de próteses do hospital de Maputo, dirigido por holandeses. Campo de Mogulama. Zambézia. Uma clareira de terra vermelha com tendas. Azuis para os moribundos. Brancas para os refugiados. Aqui os bebés não choram e as crianças não riem. As que foram libertadas na floresta têm olhos de tristeza infinita. Os números são um desalento. Fome (37 por cento da população), subnutrição (50 por cento das crianças), esperança de vida 45 anos, mutilaç
Porque a poesia não está naquilo que se diz Mas naquilo que fica depois de se dizer António Pedro
Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde demais. Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim. A partir de certa altura deixa de se jogar às cartas connosco mesmos e de fazer batota com os outros. António Lobo Antunes em Quinto Livro de Crónicas
Recomeço. Não tenho outro ofício. Eugénio de Andrade
- Morrer é difícil, paizinho? - Não. Creio que é muito fácil, Nick. Mas depende. Estavam sentados no barco, Nick à popa e o pai a remar. O Sol começava a espreitar por cima dos montes. Uma perca saltou e descreveu um círculo na superfície do lago. Nick meteu a mão na água e deixou-a arrastar. A água estava tépida no frio cortante da manhã. Ao atravessar o lago de manhãzinha, sentado à popa do barco e com o pai a remar, teve a certeza de que nunca morreria. Contos de Nick Adams Ernest Hemingway
e tu, vais-te embora? vais-te embora?... não, não te vais embora: fico contigo… deixas-me nas mãos a tua alma, como um casaco. marguerite yourcenar fogos trad. de maria da graça morais sarmento difel 1995
Atirei balões à Vida, Coloridos… Julguei-os todos perdidos Na paisagem esquecida… E eis que a Vida, em seus baldões, Traz aos meus olhos pasmados, De novo, alguns dos balões, Desbotados… armando pinheiro espelho editorial inova 1978
não creio como eles creem, não vivo como eles vivem, não amo como eles amam… morrerei como eles morrem. Marguerite Yourcenar
“Sobe o calor”, a canção que Sérgio Godinho compôs para o filme “Refrigerantes e Canções de Amor”, de Luís Galvão Teles, é daqueles momentos especiais de um artista, daqueles em que desafia tudo. Desafia a idade, a capacidade de surpreender, o mito de que as canções geniais ficam guardadas para os discos.  E também confirma muita coisa. Que um génio não tem idade, que Sérgio Godinho não se deixou ficar num qualquer tempo passado, e que às vezes basta uma canção para podermos dizer: felizes de nós, que o temos aí para as curvas. É ouvir e conferir. Rendido, adormeci ontem com ela, e com ela acordo hoje… http://pedroroloduarte.blogs.sapo.pt/nao-ha-idade-para-um-genio-nos-463703

Vence a miséria de ter medo

Adormece o teu corpo com a música da vida. Encanta-te. Esquece-te. Tem por volúpia a dispersão. Não queiras ser tu. Quere ser a alma infinita de tudo. Troca o teu curto sonho humano Pelo sonho imortal. O único. Vence a miséria de ter medo. Troca-te pelo Desconhecido. Não vês, então, que ele é maior? Não vês que ele não tem fim? Não vês que ele és tu mesmo? Tu que andas esquecido de ti? Cecília Meireles In Cânticos
Pessoalmente não posso viver sem a minha arte. Mas nunca pus essa arte acima de tudo. Se me é necessária é, pelo contrário, porque não se afasta de ninguém e me permite viver, tal como sou, ao nível de todos. A arte não é aos meus olhos um regozijo solitário. É um meio de comover o maior número de homens, oferecendo-lhe uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns. Ele obriga por consequência O artista a não isolar-se; submete-o à verdade mais humilde e mais universal. E aquele que, muitas vezes, escolheu o seu destino de artista porque se sentia diferente, bem depressa aprende que não conseguirá alimentar a sua arte, e a sua diferença, senão confessando a sua semelhança com todos. O artista forja-se neste incessante ir e vir de si aos outros, a meio caminho da beleza sem a qual não pode passar e da comunidade a que não pode arrancar-se. Eis por que os verdadeiros artistas nada desprezam; eles obrigam-se a compreender em vez de julgar. E, se têm um partido a tomar
O tipo que prometia muito e que trabalha agora num escritório. Excepto isso não faz mais nada, ao chegar a casa, senão deitar-se e esperar pela hora do jantar fumando cigarros, deitar-se de novo e dormir até ao dia seguinte. Ao domingo levanta-se muito tarde e põe-se à janela, a olhar a chuva ou o sol, as pessoas que passam ou o silêncio. E assim todo o ano. Ele espera. Ele espera a morte. Albert Camus
[...] Anoto este facto, entre outros, no meu caderno, para futuras referências. Quando for grande terei sempre comigo um espesso caderno de notas com numerosas páginas metodicamente dispostas por ordem alfabética. Aí escreverei as minhas notas. Na letra B, haverá por exemplo "Borboletas brancas reduzidas a pó". Se no meu romance tiver que descrever um raio de sol num parapeito da janela, irei ver a letra B e lá encontrarei as palavras "Borboletas brancas reduzidas a pó". Há-de ser-me útil. [...] - Virginia Woolf, As Ondas, trad. Francisco Vale, Lisboa: Relógio D'Água, 1988

A paciência é tudo

O tempo, neste caso, não é uma medida. Um ano não conta, dez anos não são nada. Ser artista é não contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva, que resiste, confiante, aos grandes ventos da Primavera, sem temer que o Verão possa não vir. O Verão vem. Mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão calmos como se tivessem na frente a eternidade. Aprendo-o todos os dias à custa de sofrimentos que bendigo: a paciência é tudo. Rainer Maria Rilke em Cartas a um Poeta
Sempre gostei muito disto: "Ninguém é suficientemente perfeito, que não possa aprender com o outro e, ninguém é totalmente destituído de valores que não possa ensinar algo ao seu irmão." S. Francisco de Assis