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Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2014
No fundo, aquilo que muitas vezes nos traz insatisfação é não poder ter o tempo para assinalar a eternidade do que somos e do que nos acontece. António Valério, sj
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,   Espécie de acessório ou sobressalente próprio,   Arredores irregulares da minha emoção sincera,   Sou eu aqui em mim, sou eu.   Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.   Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.  Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.  E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,  Como de um sonho formado sobre realidades mistas,  De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,  Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.  E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,   Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,   De haver melhor em mim do que eu.  Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,   Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,   De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,   De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,   De haver substituído qualquer coisa a mim algures na
Naquele tempo, viver era a melhor coisa do mundo. Quando nascia o sol todas as pessoas viam e os homens eram crianças para além dos montes. Era uma planície, grande como convém a todas as                                                              planícies E plana porque tudo estava certo. Naquele tempo tínhamos sido criados e éramos iguais                                                    às ervas e às flores. Tu, tão perfeita que era impossível não seres, tão erguida como um riso de andorinha, tu estavas ao meu lado, naturalmente fresca, e não havia motivos nem razões porque sabíamos                                                                   tudo. A nossa teologia era o beijo da criança mais próxima e ao deitarmo-nos na terra como folhas da mesma                                                                  planta, gratos, reduzidos, conscientes. Olhando para cima, o céu abria-se e todos os Anjos                                   vi

Seguramos o fósforo, e o infinito cresce

Seguramos o fósforo, e o infinito cresce entre os astros pacientes, invisíveis, a mancha do electrão por sobre a chapa. Não conhecemos deus, a inexistência. Não procuramos, alta, a vibração do tempo. Seguramos o fósforo e a luz é frágil, parca, necessária. antónio franco alexandre http://olharonovo.blogspot.pt/2014/08/seguramos-o-fosforo-e-o-infinito-cresce.html
Não odeies o teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum modo o seu escravo. O teu ódio nunca será melhor do que a tua paz. Jorge Luís Borges
Dei-me inteiro. Os outros fazem o mundo (ou crêem que fazem). Eu sento-me na cancela, sem nada de meu e tenho um sorriso triste e uma gota de ternura branda no olhar. Dei-me inteiro. Sobram-me coração, vísceras e um corpo. Com isso vou vivendo. rui knopfli memória consentida : 20 anos de poesia 1959-1979 imp. nac. casa da moeda 1982
Claro que, sem a fortuna da minha mãe, não me terias considerado, mas sem essa fortuna eu própria seria outra. No momento em que se isolam os motivos e os sentimentos de um ser humano para os analisar objetivamente gera-se uma injustiça fundamental. Aliás, é por causa dessa moda, a que chamam científica, de descascar as coisas para as ver de perto, que o mundo está como está. Cada pessoa é uma harmonia de solidão, decompô-la apenas pode fazer com que a sua música se torne inaudível. inês pedrosa, nas tuas mãos
Substituímos a eternidade pela repetição, e o mundo começou a tornar-se monótono como uma lição de solfejo. Tememos a maior das vertigens, que é a da duração. Mas no fim de cada sucesso há um cemitério como o de Julieta e Romeu, apenas com a diferença da aura, que afinal é tudo. As pessoas morrem cada vez mais velhas e cansadas de correr, e os seus cadáveres tensos soçobram de ridículo sob a terra das suas efémeras conquistas. nas tuas mãos, inês pedrosa
Nunca tive pena de não ter casado. Poupei-me às histórias tristes das minhas amigas, em que se ouve o tecido das relações humanas a esgarçar-se devagarinho, ao longo do tempo. Tornei-me uma especialista em homens impossíveis. E a minha filha Natália segue-me os passos, até porque os homens impossíveis crescem na proporção contrária às possibilidades do mundo. Ambas somos herdeiras de uma ausência que está para além do nosso controlo ou da nossa compreensão. A sombra de Danielle, a sombra de Xavier, atravessam-se entre nós e o mundo, secam-nos a atmosfera como uma silenciosa e constante tempestade de areia. Pensei que as imagens me poderiam curar, que poderia colar os instantâneos do mundo sobre o sangue do meu coração e fazê-lo parar. Pensei que o amor podia ser domesticado e o lado negro do instinto maternal racionalizado. Pensei de mais. Tudo está escrito no espaços brancos que ficam entre uma palavra e a seguinte. O resto não importa. nas tuas mãos, inês pedrosa

A necessidade do diálogo

Crónica A necessidade do diálogo “Good Will Hunting” (1997) poderia ser apenas mais um filme com uma interpretação irrepreensível de Robin Williams, actor que nos fazia rir com uma espécie de vontade de chorar. Mas é mais do que isso Texto de Paulo Rodrigues Ferreira • 21/08/2014 - 16:29 http://p3.publico.pt/cultura/filmes/13347/necessidade-do-dialogo Há filmes que nos marcam, não pela qualidade mas pela maneira como nos tocam. “Good Will Hunting” (1997) poderia ser apenas mais um filme de Gus Van Sant sobre depressões e inadaptados ou mais um filme com uma interpretação irrepreensível de Robin Williams, actor que nos fazia rir com uma espécie de vontade de chorar. Mas é mais do que isso. É um dos filmes em que melhor se explora a impossibilidade de vivermos solitariamente e em guerra contra o mundo. O filme começa com a personagem interpretada por Ben Affleck de cigarro na boca e fato de treino vestido à espera de Will (Matt Damon), que sai de uma casa a cair aos bocados

Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a

A paz que há-de vir

Em África, o tempo é como o espaço: tão grande que não se repara nele. O sol cai de repente e surge no auge do céu sem qualquer esforço de subida. A intensidade substitui as horas como a verdade substitui a sedução. Xavier acreditou em mim desde o primeiro instante. nas tuas mãos, inês pedrosa
Não procures explicação para a minha vida, nem a tomes com pena ou escândalo; quando eu ficar tão velha que pareça louca, lê neste cadernos que eu fui feliz. Não te preocupes como ou quanto, nem caias na tentação de distinguir amor e paixão: a pouco e pouco, fui vendo que essas divisões são armadilhas que se montam para que o pano caia sobre os nossos olhos e a imortalidade desapareça do nosso horizonte. O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele. nas tuas mãos,  inês pedrosa
As pessoas são mais imprevisíveis para o bem do que para o mal, por isso nunca me canso de viver. (...) Nunca me confrontei com as desilusões porque sou um ser solitário. Afasto-me das pessoas e observo-as de longe; nunca consigo vê-las de muito perto, sem enquadramento. Enfrentando a imperfeição aprendi a perdoar. Olho para a raiz das ações, e concluo que também eu a podia ter cometido. A pior delas. nas tuas mãos Inês Pedrosa

O leitor do mundo

Frederico Lourenço O leitor do mundo http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/o-leitor-do-mundo-1666207 ANABELA MOTA RIBEIRO (Texto)  E andámos de roda dos antigos. E falámos de Heitor e Aquiles como se fossem — como são — pessoas como nós. Do que acalma a dor do mundo. Do sofrimento como condição inelutável do humano. De aceitar que as coisas tenham sido como foram. Falámos da vida de Frederico Lourenço a partir dos antigos e nisto falámos da nossa. Deste tempo. (...) Tem algum verso de que goste muito? Há um verso da Ilíada que é dos mais importantes da minha vida. Aparece duas vezes, diz o seguinte: “A estas coisas permitiremos o terem sido”. Aquiles olha para trás, para as coisas que estão para trás na vida dele, depois de as enumerar. É uma forma de dizer... Vou aceitar que o passado existiu desta forma, não vou entrar em luta com o que foi o passado, vou centrar-me no agora e no futuro. Esse verso é de uma profundidade espantosa. Não é ó
Sentir primeiro, pensar depois Perdoar primeiro, julgar depois Amar primeiro, educar depois Esquecer primeiro, aprender depois Libertar primeiro, ensinar depois Alimentar primeiro, cantar depois Possuir primeiro, contemplar depois Agir primeiro, julgar depois Navegar primeiro, aportar depois Viver primeiro, morrer depois Mário Quintana

Dilema

O que muito me confunde é que no fundo de mim estou eu e no fundo de mim estou eu. No fundo sei que não sou sem fim e sou feito de um mundo imenso imenso num universo que não é feito de mim. Mas mesmo isso é controverso se nos versos de um poema perverso sai o reverso. Disperso num tal dilema o certo é reconhecer: no fundo de mim sou sem fundo. Antonio Cícero (1945)

Mar desconhecido

Sinto viver em mim um mar ignoto, E ouço, nas horas calmas e serenas, As águas que murmuram, como em prece, Estranhas orações intraduzíveis. Ouço também, do mar desconhecido, Nos instantes inquietos e terríveis, Dos ventos o guaiar desesperado E os soluços das ondas agoniadas. Sinto viver em mim um mar de sombras, Mas tão rico de vida e de harmonias, Que dele sei nascer a misteriosa Musica, que se espalha nos meus versos, Essa música errante como os ventos, Cujas asas no mar geram tormentas. Augusto Frederico Schmidt
- O facto de tu seres tu não significa que eu não te inventei. - Eu também existo. - Também. Também existes e eu também te inventei. «Também» é uma boa palavra a lembrar. Tu também não existes como tu sozinha. Philip Roth

Hoje encontrei Deus (também) aqui

As mãos em concha, escavaram a terra. E o assombro me catapultou o peito. O solo ali era fofo, minhocável, esfarelento. Nyembeti descobrira onde se podia cavar a sepultura do Avô. - Como é que você encontrou este lugar? Mas ela negou. Os lugares não se encontram, constroem-se. um rio chamado tempo, uma casa chamada terra mia couto

Doou o sorriso ao mundo

Texto de Marta Couto • 12/08/2014 - 11:37 Crónica p3 Tinha uma linha a desenhar-lhe a boca e, por muito que os olhos se rissem, aquela reta nunca desviava os cantos da boca nem para cima nem para baixo. Estamos separados do cinema por uma tela, por isso, cumprimos a nossa função de espectadores de expressões: vemos, reparamos, comentamos e, na leitura acomodada e humilde de quem só vê, a reta que lhe desenha a boca não é mais que um somar de esgares que não permitem tirar nem um pedaço das ilações daquilo que realmente preocupa os outros na vida. Espectadores que somos, saímos da sala, egoístas de felizes com um filme que nos deixou a rir, e seguimos a nossa vida, com ou sem esgares ao canto da boca. Robin Williams tinha a capacidade de fazer rir os outros, moldava a cara em expressões de desenho animado, arrancava gargalhadas sem abrir a boca, fosse isso o dom de uma vida que tantas vezes consome a energia até ao vazio que é sugar o próprio até não ter nada. Tinha a versatilida

Agora que sinto amor

"Agora que sinto amor  Tenho interesse no que cheira.  Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.  Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.  Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.  São coisas que se sabem por fora.  Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.  Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.  Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver. " Alberto Caeiro