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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2016
Há na vida momentos de puro encanto.
Há lugares que um dia roubamos do mapa, guardamos em nós e visitamos sempre que a saudade viaja no nosso caminho.

Caminho da manhã

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro
Nenhuma felicidade é previsível – e se há algo verdadeiramente alegre na felicidade é essa constante imprevisibilidade, essa sensação de porta a abrir sem saber o que está por trás. A vida vale quase só pelas portas por abrir que não sabemos o que escondem. _________________ in "Prometo falhar" Pedro Chagas Freitas
"True religion is not trying to make human beings spiritual. We're already spiritual beings. Great religion is trying to make human beings human. . . . The most courageous thing we will ever do is to bear humbly the full mystery of our own humanity and divinity—operating as one." Richard Rohr on being fully human https://cac.org/fully-human-2016-05-16/

Abismo

Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor. Sophia de Mello Breyner Andresen

Olha pra trás

Marta Arrais (11-05-2016) http://www.imissio.net/v2/cronicas/olha-pra-tras:4441 Quem não olha para trás não sabe de onde veio. Quem não olha para trás partiu a bússola e rasgou os mapas dos países por onde foi gente. Quem não olha para trás não sabe que o caminho que se faz hoje rima sempre com o que já se fez. Olha para trás. E repara. Não lamentes nem te percas mas repara. Repara nos dias que se beijaram uns a seguir aos outros, com medo que a noite lhes roubasse a aventura e a alegria. Repara nas feridas que secaram com o sol da esperança que lhes deste. Repara nas mãos que nunca deixaram as tuas e nas que se separaram de ti. Olha para trás. Devagar. Como quem espreita o que é ou já foi seu. Não te demores mas repara. Lê os lábios do teu caminho e todas as palavras que precisas para te dar alento. As boas e as de pedra. As doces e as de sal. Olha para trás para te lembrares do que te trouxe e do que trouxeste até aqui. Do caminho em que te tornaste. Para cada um de nós há
Quantas coisas deixaste atrás de ti nas dores, alegrias, no imenso mundo que perdeste e foi o teu. E tudo isso para seres hoje a pessoa que és, ou seja para seres em vida isso mesmo que passou. E não perguntes se valeu a pena, porque tudo vale a vida no nada que ela vale. Vergílio Ferreira

Um dia hão-de brilhar.

Respeita sempre a destruição das mulheres e dos homens que amaram ou ao menos tentaram amar a vida e esta queimou-os ou quebrou-lhes os ossos da cara, as entranhas e as veias, o fígado e o bom coração, respeita os consagrados e os mais humildes afundamentos dos seres humanos. Respeita os que se suicidaram. Respeita os que se atiraram aos oceanos. Não fales mal deles, peço-te, imploro de joelhos. Ama-me essas pessoas, essa multidão, esse rio amarelo da História, de todos quantos perderam tão injustamente, ou tão justamente, dá no mesmo. Pessoas que aceleraram numa curva. Pessoas que escondiam garrafas nos cantos da casa. Pessoas que choravam nos parques dos subúrbios das cidades. Pessoas que se envenenavam com pastilhas, com álcool, com insónias terríveis, com vinte horas de cama por dia. Tentaram, mas não conseguiram. Pessoas a quem sobravam três quartos do frigorífico, dos pequenos. Pessoas sem ter com quem falar semanas inteiras. Pessoas que não comiam, para não comerem sozinhas. São
Cuando vivimos tanto que hay que pagar exceso hay algo en el amor como una luz suicida, tal vez es sólo eso, y hay amores que duran algo menos que un beso, y besos que han durado algo más que una vida. Luis Rosales

Dizem que os bons não nascem por acaso

Foi p'ra fazer um bom destino Que ela inventou com que se entreter Dança os mais altos desafios Que toda a alma pretende ter Experimentou o desatino Viu o seu esforço a querer se inverter Ainda p'ra mais tendo aprendido Nunca é tarde p'ra perder Semeia o sol, colhe a tempestade Quem paga p'ra ver? Ninguém aposta no teu fracasso Ninguém se abate se ele acontecer Dizem que os bons não nascem por acaso Tens tanto a fazer Foi p'lo sabor do seu caminho Que ela acabou por se convencer Que avançava mais indo mansinho Que em passos altos a combater Onde plantou o azevinho Cresceu o dom de saber ver crescer Linda a promessa do destino Se houver vontade de a manter Semeia o sol, colhe a tempestade Quem paga p'ra ver? Ninguém aposta no teu fracasso Ninguém se abate se ele acontecer Dizem que um dom não desce por acaso Quem tem, tem de o ter Tu deste o fortúnio pelo amor Não te restou mais nada Prov
Plantemos flores à beira do abismo há-de haver no deserto um lugar de água alguém que nos chame pelo nome e nos acolha ao termo da viagem. J. A.. Mourão
Espero por ti e já é tarde Petrifico e choro e já é tarde Apenas os versos são de mármore É líquido o mais e dói-me a sede Deste fogo aceso que não arde. Daniel Faria
Todos os dons são formas de amor, assim todas as virtudes nele encontram a sua semente e o seu alimento. O amor sopra em todos os tempos e lugares, nunca sai do seu silêncio nem a nada faz sombra... é a luz que vê e ilumina, sem ser vista ou iluminada. José Luís Nunes Martins

Autobiografia

Onde eu nasci há mais terra que céu. Tanto leito é uma bênção para mortos e sonhadores. E de tão pouco ser o céu nasce o Sol em gretas nos nossos pés e os corações se apertam quando remoinhos de poeira se elevam nos telhados. As mães espanam o teto e poeiras de astros cobrem o soalho. De tão raso o firmamento a chuva tropeça nas copas enquanto nuvens se engravidam de rios. Com tanta escassez de céu não há encosto nem para a mais minguante lua e os meninos, na ponta dos dedos, acendem estrelas. Pois, nessa terra que é tanta para tão pouco céu, calhou-me a mim ser ave. Pequenas que são, as minhas asas parecem-me enormes. Envergonhado, escondo-a de olhares vizinhos. Nas minhas costas pesam versos e plumas. Voarei, um dia, sem saber se é de terra ou de céu a pegada do voo que sonhei. Mia Couto in Vagas e lumes
Sentada, alheia. À chinês. Cabelo solto, ondas incertas de uma trança já perdida. Com os pés a maturar silêncios, descalços, sedentos de chão. Respiro. Por instantes acredito que a Lua se acende no céu de África.

Sou aquele que busca

Sou aquele que busca Um caminho. Para tudo o que é mais Do que Metabolismo Circulação sanguínea Alimentação Decomposição das células. Sou aquele que busca Um caminho Que é mais largo Do que eu. Não demasiado estreito. Não a via-de-um-homem-só. Mas tampouco A poeirenta estrada Mil vezes percorrida. Sou aquele que busca Um caminho. Um caminho para mais Do que eu. Gunter Kunert