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A mostrar mensagens de março, 2017
Dizemos «Sophia» como se esta palavra fosse sinónimo absoluto de poesia. Dizemos «Sophia» e a nossa memória enche-se do som que as palavras têm. Dizemos «Sophia» e de repente o ar é límpido, as águas transparentes, há sempre uma casa na falésia e o sol faz rebentar o calor na cal das paredes. Dizemos «Sophia» e todas as flores e todos os peixes têm nome, e as crianças tornam-se mais ricas quando os encontram. Dizemos «Sophia» e não precisamos de dizer mais nada. Alice Vieira
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo, As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados Ao peso dos pássaros que se abrigam. É à janela dos filhos que as mulheres respiram Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas Transformam-se em escadas Muitas mulheres transformam-se em paisagens Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem Cheias de rebentos As mulheres aspiram para dentro E geram continuamente. Transformam-se em pomares. Elas arrumam a casa Elas põem a mesa Ao redor do coração. Daniel Faria homens que são como lugares mal situados
Vou partir de avião E o medo das alturas misturado comigo Faz-me tomar calmantes E ter sonhos confusos Se eu morrer Quero que a minha filha não se esqueça de mim Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada E que lhe ofereçam fantasia Mais que um horário certo Ou uma cama bem feita Dêem-lhe amor e ver Dentro das coisas Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes Em vez de lhe ensinarem contas de somar E a descascar batatas Preparem minha filha para a vida Se eu morrer de avião E ficar despegada do meu corpo E for átomo livre lá no céu Que se lembre de mim A minha filha E mais tarde que diga à sua filha Que eu voei lá no céu E fui contentamento deslumbrado Ao ver na sua casa as contas de somar erradas E as batatas no saco esquecidas E íntegras. Ana Luisa Amaral
Hesito no caminho. Ninguém segue este rumo… É noutra direcção Que o vento leva o fumo Das paixões… Chegar, sei que não chego, De nenhuma maneira; Mas queria ao menos ir no lírico sossego De quem não se enganou na estrada verdadeira. E não vou. Cada vez mais sozinho Na solidão, Duvido da certeza dos meus passos. Vejo a sede ancestral da multidão Voltar costas às fontes que pressinto, E fico na mortal indecisão De afirmar ou negar o cego instinto Que me serve de guia e de bordão. miguel torga câmara ardente 1962

Máscaras D’Orfeu

Finjo Finjo tanto Que até a pensar finjo que penso Finjo tanto, que fujo em cavalos de fumo Num galope de gazela de vento, com olhos de lua E lágrimas húmidas de mundos tristes Só para imitar beleza de imagens que nunca tive (momento doce nesta tempestade subterrânea) Agora... Agora a infância já me fica tão distante Mas mesmo assim, continuo a vestir o bibe das riscas azuis Com que me vou enlamear no pântano mais próximo Para saborear o medo e a inocência De quem é condenado por julgar estrelas As pedras humilhadas desta rua que outrora me pertenceu Construo cidades de água e jardins transparentes Onde planto flores de sono, que amo e possuo Num acto único de metamorfose selvagem E finjo E finjo a coragem que não tenho No retrato mentiroso da moldura onde me exibem Com o sorriso irónico da punhalada traiçoeira (Futuro génio da família… dizem eles) Promoção gratuita na condição de nunca ser eu Mas sim, o cadáver ambulante da sua vontade Querem-m

Como Ela morre

‘Como Ela Morre’: Um manual de sobrevivência http://www.comunidadeculturaearte.com/como-ela-morre-um-manual-de-sobrevivencia/ 22 MARÇO, 2017 - DIOGO SOTTOMAYOR “Todas as famílias felizes são parecidas, cada família infeliz é-o à sua maneira” Liev Tolstói, em Anna Karénina Anna Karénina, de Lev Tolstói, é uma caixa de pandora; abri-la liberta essências e aromas que alteram a forma como vemos o mundo e as relações humanas. A proposta de “Como Ela Morre” é ver o efeito dessas páginas em dois casais: um casal português, em 1967, altura em que ela começa a ler o romance, e um casal flamengo, em Antuérpia, em 2017, quando ele lê o romance. Estas páginas parecem encerrar em si não personagens mas pessoas reais, com as quais convivemos ao longo da obra e ao longo da vida. A marca que nos deixa é indelével e inegável. Eles passam a ser coisas palpáveis através dos nossos sentidos. Esta produção, que nasce da colaboração entre o Teatro Nacional D.ª Maria II e os “tg STAN” – o mesmo é dizer “
Sei dos filhos pelo modo como ocupam a casa: uns buscam os recantos, outros existem à janela. A uns satisfaz uma sombra, a outros nem o mundo basta. Uns batem com a porta, outros hesitam como se não houvesse saída. Raras vezes sou pai. Sou sempre todos os meus filhos, sou a mão indecisa no fecho, sou a noite passada entre relógio e escuro. Em mim ecoa a voz que, à entrada, se anuncia: cheguei! E eu sorrio, de resposta: chegou? Mas se nunca ninguém partiu... E tanto em mim demoram as esperas que me fui trocando por soalho e me converti em sonolenta janela. Agora, eu mesmo sou a casa, casa infatigável casa a que meus filhos eternamente regressam. Mia Couto
Não é a tua mão  filha  que eu levo  na minha mão  é uma raiz  que eu planto  em mim mesmo   António Reis,  in 'Novos Poemas Quotidianos'
Mini-Happy-Pati

Coisas que têm quereres

Aceitando comer e beber com os pecadores, Jesus está a infringir o poderoso sistema de pureza. Mas a verdade é que o gesto de Jesus não é apenas de rutura, mas de afirmação de uma nova experiência de Deus. Na linha da abrangência universalista do banquete messiânico que os profetas projetaram para o futuro, Jesus reivindica para o seu hoje uma vivência religiosa que vá além do reforço da legalidade, promovendo que os excluídos regressem à amizade de Deus. *** Há um provérbio que diz: «Viver sem amigos é morrer sem testemunhas.» Os amigos trazem à nossa vida uma espécie de atestação. Os amigos sabem o que é para nós o tempo. Eles testemunham que somos, que fizemos, que amamos, que perseguimos determinados sonhos e que fomos perseguidos por este ou aquele sofrimento. E fazem-no não com a superficialidade que, na maior parte das vezes, é a das convenções, mas com a forma comprometida de quem acompanha. O olhar do amigo é uma âncora. *** É sempre uma sede de liberdade que

A Quaresma é sinal de mais

Às vezes entramos na Quaresma a fazer uma lista do que vamos retirar. Ou, sem termos consciência disso, entramos com um ar triste e pesado. São 40 dias. É muito tempo no deserto. Mas a Quaresma não é sinal de menos. De pouco nos servirá tirar o chocolate da nossa alimentação, reduzir refeições, evitar festas, tirar coisas boas da agenda e penar. Passaremos mais tempo a pensar no que é de menos em vez de acolhermos a proposta de pensar no que nos pode conduzir a sermos mais (+). A Quaresma é por isso, pela Cruz, sinal de mais. De adição. De adição de uma oportunidade, de um tempo, de um espaço, de um desafio, para o qual muitas vezes não estamos disponíveis. "Não temos tempo!" A Quaresma é sinal de mais. De somarmos à nossa vida mais tempo para estar e ouvir os outros, mais espaço para nos sentarmos com Deus e ouvirmos em vez de começarmos nós a conversa, mais ânimo para as tarefas que custam e que nos levam horas de queixumes, mais vontade de amar apesar das dores e fragi
"Oxalá, Senhor, que oiças a minha voz. Aqui estou. Sem grandes palavras para dizer. Sem grandes obras para oferecer. Sem grandes gestos para fazer. Receberei o que me queiras dar: Luz ou sombra. Sorte ou adversidade. Alegria ou tristeza. Calma ou dificuldade. E receberei sereno, Com um coração sossegado, Porque sei que Tu, meu Deus, Também és um Deus pobre. Um Deus que não exige, mas que convida. Que não força, mas que espera. Que não obriga, mas que ama. E eu farei o mesmo no meu mundo, Com os meus amigos, com a minha vida: Aceitar o que vier como um presente. Eliminar do meu dicionário a exigência. Perguntar aos outros: 'O que precisas?' 'Que posso fazer por ti?' E dizer poucas vezes 'Quero' ou 'Dá-me'. E assim avanço, Deus. Aqui, sem mais nada. Em silêncio. Contigo, meu Deus pobre. Nuno Branco sj
Não é a luz que acendo. Acabei, sim, de acender a noite. Num instante, o teto se torna céu e o escuro se torna leito. A noite é escassa para tanta saudade. Saudade da espreguiçada noite dos trópicos, saudade da noite com vagar para não dormir, saudade da noite com tempo para esquecer o tempo. A gente desta cidade sonha depressa e pouco. Tão depressa que o sono fica isento de pecado. De manhã, despertam com o sonho ainda a meio, como quem é surpreso de braço dado com o demónio. E contam os sonhos a um médico com se de doença se expurgassem. Desconhecem o atentado contra a poesia: a lembrança do sonho mata o termos sonhado. Esta claridade de meia-noite, este poente que nunca encontra sol, foram feitos para te roubar da distância. Nenhuma geografia me vence: neste matinal crepúsculo eu te desenho, luar de sombra. E já não é nem pecado nem sonho: és tu que acendo num quase ocaso de Estocolmo. Mia Couto
"Aos outros, dou o direito de ser como são. A mim, dou o dever de ser cada dia melhor." Chico Xavier

Coisas que têm quereres