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A mostrar mensagens de 2019
Eu falo das casas e dos homens, dos vivos e dos mortos: do que passa e não volta nunca mais... Não me venham dizer que estava matematicamente previsto, ah, não me venham com teorias! Eu vejo a desolação e a fome, as angústias sem nome, os pavores marcados para sempre nas faces trágicas das vítimas. E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima, uma insignificante parcela da tragédia. Eu, se visse, não acreditava. Se visse, dava em louco ou profeta, dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada, - mas não acreditava! Olho os homens, as casas e os bichos. Olho num pasmo sem limites, e fico sem palavras, na dor de serem homens que fizeram tudo isto: esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira, esta lama de sangue e alma, de coisa e ser, e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança, se o ódio sequer servirá para alguma coisa... Deixai-me chorar - e chorai! As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos, de termos sancionado com o nosso silêncio
Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos. Eu caminho desequilibrada, em cima de uma linha tênue entre a lucidez e a loucura. De ter amigos eu gosto porque preciso de ajuda pra sentir, embora quem se relacione comigo saiba que é por conta-própria e auto-risco. O que tenho de mais obscuro, é o que me ilumina. E a minha lucidez é que é perigosa. Clarice Lispector
trinta cisnes no lago dos teus olhos. foi o que disse. não significa nada. não poderiam aí nadar. foi uma imagem. uma ideia. uma vontade grande de dizer que te amo e que vejo em ti tudo quanto sendo impossível faria da vida um lugar perfeito Valter Hugo Mãe
Comovem-me ainda os dias que se levantam no deserto das nossas vidas. Dos belos palácios da saudade não resta a impressão dos dedos nas colunas fendidas, e nada cresce nos pátios. Muito além, depois das casas, o último marinheiro continua sentado. Os seus cabelos são brancos, pouco a pouco. Aqui, tudo se resume a algumas tâmaras que secaram ao sol, longe do orvalho, das fontes que pareciam nascer de um olhar turvo sobre a sede da terra. Comovem-me ainda as palavras que dizias aos meus ouvidos aprisionados pela música. Comovem-me as cadeiras vazias, no pátio. Lembro-me sempre de ti. José Agostinho Baptista
Vive, dizes, no presente; Vive só no presente. Mas eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede. Alberto Caeiro
Quatro anos depois voltei a visitar Nguezi. Estava bastante doente e completamente cego. Perguntei por que razão se tinha recusado a deslocar-se à cidade. A reposta dele foi: não fui porque tinha medo de ver o mar. (...) Na altura, confesso, tive medo que o caçador pedisse que lhe explicasse o que era o mar. Esse medo que então senti é o mesmo que sinto hoje diante da autossuficiência de um certo discurso científico. O mar, o amor, a paixão, a beleza e tantas outras entidades só têm explicação se foram vazadas de vida. É desta simplificação que tenho medo. Mia Couto Conferência de abertura do Brain Congress, Brasil, 2017 O universo num grão de areia
Senhor, peço-Te que me dês a graça de olhar o mundo com os teus olhos na esperança de que, sentindo como Tu sentes, aja como tu ages. Rui Fernandes, sj
Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado. Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos, com os livros atrás a arder para toda a eternidade. Não os chamo, e eles voltam-se profundamente dentro do fogo. -Temos um talento doloroso e obscuro. construímos um lugar de silêncio. De paixão. Herberto Helder
servissem essas palavras bonitas neste tempo em que nem a verdade procuro fossem elas estéreis, estilhaço de um vaso mal parido, e eu ouvia. apetece-me o que é rude e áspero de se engolir tenho fome do que é errado, vil e sombrio durmo, sonho com tristeza e não me digno a chamar-lhe pesadelo quero o que é fraco e renegado e estafermo falem-me de pessoas com alma novamente porque o que me contam repetidamente, incessantemente, fervorosamente é de gente que apenas traz a carne colada aos ossos. PO
Chegará o tempo em que, com alegria, te saudarás a ti mesmo ao tocares à tua porta, ao olhares-te no espelho, e cada um dará ao outro as boas-vindas com um sorriso, e dirás, senta-te aqui e come. Amarás de novo o estranho que há em ti. Oferece-lhe vinho. E pão. Devolve o teu coração, ao estranho que te amou toda a tua vida, aquele a quem trocaste por outro, aquele para quem não tens segredos. Varre as cartas de amor da estante, as fotografias, os bilhetes desesperados, Arranca a pele à tua imagem no espelho. Senta-te. Festeja contigo a tua vida. Derek Walcott
Fala-se muito para os jovens, fala-se pouco com os jovens. Pior que o silêncio é o diálogo falso. (...) Uma coisa me parece certa: é melhor uma juventude inquieta do que uma juventude submissa. Sobretudo porque nenhuma juventude é tão submissa assim. O que não pode florescer no tempo certo acaba sempre por explodir mais tarde. o universo num grão de areia Mia Couto
A palavra brincar vem do latim e tem como radical o termo "brinco", que, na sua raiz morfológica, quer dizer "vinculu/vinculum". O que fazemos quando brincamos é criar vínculos com os outros e com o mundo. o universo num grão de areia Mia Couto
Grande parte das línguas bantu do meu país não possui palavras específicas para dizer "pobre". Para designar um pobre diz-se "chissiwana". Essa palavra quer dizer "órfão". Pobre é quem vive sem família nem amigos, pobre é quem perdeu os laços de solidariedade. o universo num grão de areia Mia Couto
Não, não tens o mar nos olhos Não, não tens Nem o horizonte, nem o vento Tens as estrelas, as planícies e os cajueiros PO
Aqui há tempos, num blogue "dedicado à poesia", vi-me deste modo referido: Rui Pires Cabral (1967- ) e confesso que a lacuna no parêntesis me causou certa impressão. Como os aborígenes do Outback australiano que não vêem as estrelas mas o espaço negro entre elas, também eu, por um instante, nada mais vi no ecrã que esse vazio. Porque era, na verdade, a minha morte que ali estava, na zelosa antecedência de um gravador de lápides virtuais. Não ignoro, claro está, que o meu dia há-de chegar (ou melhor, a minha noite), mas não deixa de ser estranho ver que alguém, algures na rede (e enquanto eu me desunho para me manter à tona, nos versos como na vida), já previne, calmamente, aquela segunda data que há-de preencher o hiato e completar o registo. Rui Pires Cabral
Sobes a um miradouro para ver tudo isto: talvez a cidade não seja assim tão branca mas também ocre e rosa e amarelo torrado, e gostes mais das ruas ao vê-las de cima, no seu desenho, e penses que o rio é mais azul quando surge ao fundo de uma rua, por entre as casas, e não assim, completo, e talvez vejas parques e igrejas que respiram a pequena azáfama diurna, e talvez nascer aqui tenha sido um acidente, e não guardes um vínculo mas uma afeição que nasce do hábito e da tranquilidade, e descubras que és um estranho entre as gentes (não conheces mais de um terço do que vês e chamas-lhe a tua cidade). Ainda assim sabes que há outros miradouros e que as pessoas aí também não olham para a cidade mas umas para as outras. Umas para as outras. Umas para as outras. Pedro Mexia
Não há que ter ilusões: nós também somos o fim da nossa estrada. Com estas mãos, com este mesmo coração é que chegamos ao cabo do futuro, à extrema condição que nos devolve ao lugar de onde partimos. Mas, entretanto, escrevamos. Rui Pires Cabral
“É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo também não há espaço para a globalização da indiferença.”  Papa Francisco
Escreveria uma livro aqui. Não roubaria à descrição arrastada. Não trocaria o belo do real pela metáfora. Fosse grande o esmero, e parca a originalidade,  daria primeira numa de Eça  e aproveitaria a deixa com Sofia. A lua, daqui deste terraço, deve ser de ver e chorar de saudade. Ao Alqueva o que é do Alqueva. Monsaraz, Junho de 2019.
Nunca se definiu, nem definirá poesia. A poesia é, vive ou paira, existe ou não existe. E acompanha a vida. É talvez um acréscimo de vida como toda a arte. Uma maneira íntima de adivinhar as coisas, de fundir o ritmo do mundo com o ritmo da nossa alma, numa pura e estranha intuição da verdade. Francisco Sousa Tavares
Pertence a uma elite intelectual e aristocrática (pelo lado do avô Mello Breyner), Sophia não é o povo português, mas contém o povo português. Porque fez questão que assim fosse. Porque não se contentou com o conforto à nascença. Porque quis mais para todos e não apenas para os alguns a que já pertencia. SOPHIA - biografia Isabel Nery
Pega na tua tristeza e põe-na naquele frasco de doce vazio que guardas. Pega no teu esconderijo e adoça-o. Compra o jornal antes de te sentares. Lê os obituários depois de leres a banda desenhada. Come uma sopa que a tua mãe costumasse fazer. Toma uma bebida que o teu pai costumasse pedir. Imagina o mundo habitado por órfãos. Depois procura o homem que se senta sozinho e pergunta-lhe se podes pendurar o teu casaco ao lado do dele. howard altmann enquanto uma fina neve cai trad. eugénia de vasconcellos guerra & paz 2019
In the Shadow of Your Wings, Daniel Gerhartz permitir que em mim sejas é ainda diferente de acreditar que estás sempre
Pelas tuas mãos medi o mundo E na balança pura dos teus ombros Pesei o ouro do Sol E a palidez da Lua. sophia de mello b. andresen no tempo dividido caminho 2003
Se todo o ser ao vento abandonamos E sem medo nem dó nos destruímos, Se morremos em tudo o que sentimos E podemos cantar, é porque estamos Nus em sangue, embalando a própria dor Em frente às madrugadas do amor. Quando a manhã brilhar refloriremos E a alma possuirá esse esplendor Prometido nas formas que perdemos. Aqui, deposta enfim a minha imagem, Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem. No interior das coisas canto nua. Aqui livre sou eu — eco da lua E dos jardins, os gestos recebidos E o tumulto dos gestos pressentidos Aqui sou eu em tudo quanto amei. Não pelo meu ser que só atravessei, Não pelo meu rumor que só perdi, Não pelos incertos atos que vivi, Mas por tudo de quanto ressoei E em cujo amor de amor me eternizei. Sophia de Mello Breyner Andresen
A todos os que sofrem e estão sós, não lhes proporcioneis apenas os vossos cuidados, mas também os vossos corações. Md Teresa de Calcutá

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Preciso tiempo necesito ese tiempo que otros dejan abandonado porque les sobra o ya no saben que hacer con él tiempo en blanco en rojo en verde hasta en castaño oscuro no me importa el color cándido tiempo que yo no puedo abrir y cerrar como una puerta tiempo para mirar un árbol un farol para andar por el filo del descanso para pensar qué bien hoy es invierno para morir un poco y nacer enseguida y para darme cuenta y para darme cuerda preciso tiempo el necesario para chapotear unas horas en la vida y para investigar por qué estoy triste y acostumbrarme a mi esqueleto antiguo tiempo para esconderme en el canto de un gallo y para reaparecer en un relincho y para estar al día para estar a la noche tiempo sin recato y sin reloj vale decir preciso o sea necesito digamos me hace falta tiempo sin tiempo. Mario Benedetti
(Ilustração: Elisa Talentino) Deixai-me com as coisas Fundadas no silêncio Sophia de Mello Breyner Andresen
LOS NADIES Sueñan las pulgas con comprarse un perro y sueñan los nadies con salir de pobres, que algún mágico día llueva de pronto la buena suerte, que llueva a cántaros la buena suerte; pero la buena suerte no llueve ayer, ni hoy, ni mañana, ni nunca, ni en llovizna cae del cielo la buena suerte. Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada. Los nadies: los ningunos, los ninguneros, corriendo la liebre, muriendo la vida, jodidos los nadies, jodidos: Que no son, aunque sean. Que no hablan idiomas, sino dialectos. Que no practican religiones, sino supersticiones. Que no hacen arte, sino artesanía. Que no aplican cultura, sino folklore. Que no son seres humanos, sino recursos humanos. Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada. Que no tienen cara, sino brazos. Que no tienen nombre, sino número. Que no figuran en la historia universal, sino en la crónica roja de la prensa local. Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada. Los nadies: los nada, los nadies, que cuestan
Só a rajada de vento dá o som lírico às pás do moinho. Somente as coisas tocadas pelo amor das outras têm voz. Fiama Hasse Pais Brandão
Solenidade da Epifania do Senhor Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Vê como a noite cobre a terra e a escuridão os povos. Mas sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz e os reis ao esplendor da tua aurora. Olha ao redor e vê: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Is 60,1-5 (Imagem:  Javirroyo )
Epifania, festa dos buscadores de Deus, dos que estão longe, que se puseram a caminho atrás de um seu profeta interior, atrás de palavras como as de Isaías: ergue a cabeça e vê. Dois verbos belíssimos, ergue, eleva os olhos, olha para o alto e à tua volta, abre as janelas de casa ao grande respiro do mundo. E olha, procura uma fissura, um espaço de céu, uma estrela polar, e de lá interpreta a vida, a partir de uma perspetiva elevada. O Evangelho (Mateus 2, 1-12) narra a procura de Deus como uma viagem, ao ritmo da caravana, nos passos de uma pequena comunidade: caminham juntos, atentos às estrelas e atentos uns aos outros. Fixando o céu e os olhos de quem caminho ao lado, abrandando o passo segundo a medida do outro, de quem está mais fatigado. Depois, o momento mais surpreendente: o caminho dos magos está cheio de erros: perdem a estrela, encontram a grande cidade em vez da pequena povoação; perguntam pelo menino a um assassino de meninos; procuram um palácio e encontram um c