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A mostrar mensagens de abril, 2015

O sorriso

Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso. Eugénio de Andrade

Meu amor, nunca é tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia Meu amor, meu amor Minha estrela da tarde Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza Se tu és a alegria ou se és a tristeza Meu amor, meu amor Eu não tenho a certeza Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram Era o
"Chegaremos aonde não sabemos por caminhos que não sabemos" S. João da Cruz citado por M.G. Llansol http://primeiroesquerdopoesia.blogspot.pt/2015/04/isto.html
Lidar mal com a dor e o sofrimento não significa que doer e sofrer sejam estados desejados em qualquer hora e qualquer lugar do mundo. Aqui falo da dor física, do sofrimento do corpo, faço das sensações imediatas, primitivas, porque aquelas que ficam cravadas na alma não têm descrição possível, nem registo concreto, nem nenhuma das palavras são capazes de as alcançar. As dores dos lutos, das perdas, das saudades, das sepulturas são medonhos, desumanos silêncios. passageiro clandestino, leonor xavier
É isto, amor: o ganho não previsto, o prêmio subterrâneo e coruscante, leitura de relâmpago cifrado, que, decifrado, nada mais existe valendo a pena e o preço do terrestre, salvo o minuto de ouro no relógio minúsculo, vibrando no crepúsculo. Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde. Carlos Drummond de Andrade
As asas não se concretizam. Terríveis e pequenas circunstâncias Transformam claridades, asas, grito, Em labirinto de exígua ressonância. Os solilóquios do amor não se eternizam. E no entanto, refaço minhas asas Cada dia. E no entanto, invento amor Como as crianças inventam alegria. Hilda Hilst

O cancro, bruto e duro

A vizinha admirada porque lhe anuncio dois amáveis cancros. Fazer o quê? Dizer o quê? Lamuriar, chorar, gesticular, tapar a cara, esconder os olhos, levar as mãos à cabeça? Não. Nada disso. Ter a certeza da fé, a consciência dos privilégios, agradecer. Ou melhor, dar graças a Deus. Olhando o que se passa à minha volta no hospital, a maior parte das pessoas doentes não tem trânsito, ou seja, não consegue um espaço de expressão, não sabe como comunicar, não tem condições para se mover, não tem dinheiro para pagar um taxi, um conforto, uma comodidade. Quase todos que ali estão sentados têm alguém que os acompanhe, mas muitos estão sozinhos. Tantos parecem tão fracos, tão doentes.  A face exposta da doença desmonta os poderes dos homens e a suposta feminilidade das mulheres. Os casais. As famílias. Adivinham-se as tensões antigas, assiste-se a um sentimento de trégua ou de paz, há um cuidado de trazer uma água, alguma coisa leve para comer, há o cuidado de segurar um saco menos leve.

Assim assim

António Lobo Antunes, Crónica publicada na VISÃO 1154, de 16 de abril Acho que o meu marido já não gosta de mim. Acho que já não gosto do meu marido. Mas depois há as crianças, logo três, e a ideia da separação custa-me por causa delas, para além da reação dos meus pais que, há quase quarenta anos, se aturam um ao outro. Praticamente nem se falam. A frase que lhes oiço mais vezes é - Passa-me o sal e a passagem do sal de um para o outro é o único traço de união entre eles, aquele frasquinho pequeno de vidro facetado, com uma tampa cromada. Dantes havia também os palitos - Passa-me os palitos mas o dentista mandou-os substituir por fio dental e o paliteiro, de plástico, um prisma triangular com um buraco numa das pontas, levou sumiço da mesa e habita agora no aparador, entre um gato de loiça e a fotografia da minha sogra. O gato de loiça tem bigodes pintados a doirado e a ponta da cauda partida. O paliteiro dois palitos solitários dentro. Às vezes olho os dois palitos
Formado em direito e solidão, às escuras te busco enquanto a chuva brilha. É verdade que olhas, é verdade que dizes. Que todos temos medo e água pura. A que deuses te devo, se te devo, que espanto é este, se há razão pra ele? Como te busco, então, se estás aqui, ou, se não estás, porque te quero tida? Quais olhos e qual noite? Aquela em que estiveste por me dizeres o teu nome. Pedro Tamen
Os nossos corpos têm veias para fora deles. Escuta, amado discípulo, essas veias ligam-se a lugares especiais, a pessoas que gostamos. Um aparelho circulatório que não é ensinado nas aulas de anatomia, que não se aprende nas madrasas nem nas universidades. O nosso coração não bate cá dentro, bate na terra de que gostamos, ó discípulo, nos objectos que nos são especiais, nos peitos dos nossos familiares, em músicas que nos fazem chorar. Nunca ninguém nos ensinou onde estava realmente o coração, aquilo que ouvimos bater no peito é apenas um reflexo de todos os nossos corações, que batem em tantos lugares diferentes. As nossas noções de anatomia, amado Gardezi, estão todas erradas. Afonso Cruz Para onde vão os guarda-chuvas
A grandeza do homem está naquilo que lhe resta precisamente quando tudo o que lhe dava algum brilho exterior, se apaga. Etty Hillesum (1914-1943)

Tal e qual

Maré

E nascemos sem nós querermos, E vivemos sem saber A razão porque vivemos. Onda desfeita no ar. Esperança que brada em espuma Contra a muralha de pedra Dum desconhecido destino. E a maré, vida em fermento, Nunca cansa de bater Contra esse muro de granito Na ânsia de o desfazer. SARAIVA BATARDA, in SEPARATA DA MENSAGEM (Moçambique, 1951), in ANTOLOGIAS DE POESIA DA CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO 1951-1963, vol. II (ACEI, 1994)
«Não espero mudar o mundo, inclino-me apenas sobre o primeiro desventurado que encontro e dou-lhe uma mão.» Madre Teresa de Calcutá
«Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.» Samuel Beckett

Hoje encontrei Deus (também) aqui

Há uma enorme sabedoria em contar com a imperfeição. Há uma enorme sabedoria em contar com as minhas limitações, com as fragilidades dos outros, com as disfunções do mundo. É que a perfeição só existe na nossa cabeça: se desistirmos de a procurar ansiosamente no que fazemos, no que os outros nos fazem, no que a vida nos traz, evitaremos muitas desilusões. Finalmente poderemos descansar: ao contar com a imperfeição estamos mais perto da realidade. Ver para além do olhar Facebook
Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda. Sabendo bem que eras nuvem depus a minha vida em ti. Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil, fiquei sem poder chorar, quando caí. CECÍLIA MEIRELES, in ANTOLOGIA POÉTICA (Relógio D'Água, 2002)

Cancro, bruto e duro

As histórias podem contar-se ao contrário. Mas só quando começam e acabam, quando se lhe conhecem as curvas e os contornos, quando as personagens que as povoam estão definidas, quando há um começo e um fim que possa ser o começo de outra história e de outra, até mais não. Há as histórias traçadas com precisão e aquelas que vão seguindo discretas, silenciosas, disfarçadas de pequenos sinais tão invisíveis que nenhum encadeado de palavras lhes dá corpo ou vida. Essas podem começar num dia março, às escuras de um acordar ou podem estrear num fim de tarde de julho obrigado a trânsito de gente, presença em acontecimento, troca de fugazes contactos de pele em síntese de palavras, venais circunstâncias no curso da cidade. Nessas histórias, o corpo estranho dentro do corpo é protagonista, passageiro clandestino (...). passageiro clandestino leonor xavier

A necessidade da missão

D. António Couto, Bispo de Lamego (18-04-2015) 1. É-nos dada hoje, Domingo III da Páscoa, a graça de escutar a página sublime do Evangelho de Lucas 24,35-48, em que Jesus Ressuscitado se faz ver aos seus discípulos reunidos, que são «os Onze e os outros com eles» (Lucas 24,33), dissipa as suas dúvidas e os seus medos, e lhes indica o sentido da Escritura, ao mesmo tempo que abre diante dos seus olhos o sentido obrigatório da missão. Podem assaltar-nos questões como estas: a) o que terá acontecido àqueles discípulos depois da morte de Jesus?; b) como chegaram ao ponto de afirmar a sua ressurreição?; c) terão sido vítimas de alguma desmedida ilusão?; d) auto-convenceram-se de que a obra de Jesus não podia terminar com aquela morte?; e) é a partir de si mesmos que chegam à fé na ressurreição, e que começam a anunciar convictamente que Jesus está vivo? A página do Evangelho de hoje ajuda-nos a compreender melhor os acontecimentos. 2. Ainda os dois discípulos de Emaús faziam exeges
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos. E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor. Sophia de Mello Breyner Andresen

Vai deixar saudade

"Estão cá os meus amigos de escola, os da faculdade...e os missionários." Sou uma Chefona badada, como eles dizem.
"Um palácio é bonito, um arranha-céu é grande, uma catedral é imponente, mas uma estrada é viva. Por isso, das construções do homem, talvez seja a estrada a que mais lhe fale ao coração, lhe sugira com aproximação maior o transitório, o inquieto, o rápido da vida. A estrada é o rio sem água; quem desce nele são os viventes. A estrada é o longe e o perto, a presença da distância, o convite à caminhada a aventura, a fuga. A estrada leva e traz, a estrada anda, vive e participa também." Rachel de Queiroz
Basta a cada dia a sua própria alegria. Ruy Belo
O amor à vida, que não é coragem nem bondade, que não é inteligência nem dever, é o dom que tudo explica. passageiro clandestino leonor xavier

Primeiro eles admiram sua beleza Alguns segundos depois choram por seu ...

Quando se começa o dia assim, tem tudo para ser um bom dia!

No coração arde uma luz

VOCAÇÃO NASCE DA EXPERIÊNCIA DE MISSÃO

Inicia-se no próximo domingo, 19 de Abril, a Semana de Oração pelas Vocações. Na Mensagem a propósito desta iniciativa, o Papa assinala que «a vocação cristã só pode nascer dentro duma experiência de missão» e que «a oferta da própria vida nesta atitude missionária só é possível se formos capazes de sair de nós mesmos». Francisco alude à «experiência do êxodo» como «paradigma da vida cristã», particularmente «de quem abraça uma vocação de especial dedicação ao serviço do Evangelho». «A vocação é sempre aquela acção de Deus que nos faz sair da nossa situação inicial, nos liberta de todas as formas de escravidão, nos arranca da rotina e da indiferença e nos projecta para a alegria da comunhão com Deus e com os irmãos», afirma o Santo Padre, insistindo na ideia de «êxodo como experiência fundamental da vocação». O Papa refere ainda que «esta dinâmica do êxodo diz respeito não só à pessoa chamada, mas também à actividade missionária e evangelizadora da Igreja inteira. Esta é v

Em todos os jardins

Em todos os jardins hei-de florir Em todos beberei a lua cheia, Quando enfim no meu fim eu possuir Todas as praias onde o mar ondeia Um dia serei eu o mar e areia, A tudo quanto existe me hei-de unir, E o meu sangue arrasta em cada veia Esse abraço que um dia se há-de abrir. Então receberei no meu desejo Todo o fogo que habita na floresta Conhecido por mim como num beijo. Então serei o ritmo das paisagens, A secreta abundância dessa festa Que eu via prometida nas imagens. Sophia de Mello Breyner Andresen

Eduardo Galeano (1940-2015)

Contudo estou fadada apenas para instantes. Nunca provei felicidade que não fosse em taça que, logo após o lábio, se estilhaça. Sempre aspirei ser árvore. Da árvore serei apenas luar, a breve crença de claridade.[…] Mia Couto
Antes não nos pesava o passado, colhíamos os dias ainda verdes, a frescura da sua polpa na vontade dos nossos dedos. Depois vieram os sinais dos primeiros cansaços sem remédio, a noite fincou-se nas pedras, fez-se de estorvos. Aquilo que sobrou de ti cabe-me nos bolsos e é pouco para as minhas mãos. Rui Pires Cabral
Quem tem amigos assim não murcha ;-)
Deus não manda coisas impossíveis. Ao mandar o que assim parece, é para que faças o que podes e peças o que não podes. Santo Agostinho
“O fim duma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que já se viu no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.” José Saramago, Viagem a Portugal

And still I rise

You may write me down in history With your bitter, twisted lies, You may tread me in the very dirt But still, like dust, I'll rise. Does my sassiness upset you? Why are you beset with gloom? 'Cause I walk like I've got oil wells Pumping in my living room. Just like moons and like suns, With the certainty of tides, Just like hopes springing high, Still I'll rise. Did you want to see me broken? Bowed head and lowered eyes? Shoulders falling down like teardrops. Weakened by my soulful cries. Does my haughtiness offend you? Don't you take it awful hard 'Cause I laugh like I've got gold mines Diggin' in my own back yard. You may shoot me with your words, You may cut me with your eyes, You may kill me with your hatefulness, But still, like air, I'll rise. Does my sexiness upset you? Does it come as a surprise That I dance like I've got diamonds At the meeting of my thighs? Out of the huts of history's shame I rise Up from a past that's rooted i

Nenhum olhar

Adeus mulher. Adeus filho. Adeus pai. Adeus mãe. Adeus irmã. Estão os vossos rostos diante de mim. Estarão para sempre. Penso: sempre e nunca mais são o mesmo lugar. Mulher, filho, pai, mãe, irmã, não chorem por mim. Ainda há as searas para as crianças. Ainda há as crianças. Guardem as lágrimas para um dia de mais alta nomeada. Guardem as lágrimas para o dia em que morrerem as searas nos olhos das crianças, para o dia em que morrerem as crianças. Hoje, morro eu. E eu morrer não é nada na ordem implacável do mundo. nenhum olhar josé luís peixoto

Vem buscar-me

Havia os que vinham de longe, trazendo nas mãos e nos olhos o mar exilado. À porta descalçavam as sandálias gastas de inventariar o pó, e antes que entrassem na casa do poema coroavam-se de silêncio e silvas. Percorriam então longamente as paredes fechando janelas onde não existiam, e rente à cegueira iam recolhendo as aves que tropeçavam na luz dos dedos. Grandes rios negros atravessavam a noite e os gestos, e as palavras doíam na boca como feridas acesas. E havia outros, os que rondaram toda a vida a casa do poema sem nunca se atreverem a entrar. Únicos eram os passos que os viajavam, e generosos os lábios que nos seus lábios mediam os dias pelo açúcar dos frutos. Jorge Melícias
Na tua pele toda a terra treme alguém fala com Deus alguém flutua há um corpo a navegar e um anjo ao leme.´ Manuel Alegre

Adoro a letra deste cântico

Tenho o meu coração atado a Ti O nó foste Tu que o deste E a minha alma Mais forte fizesTe Tocaste o meu rosto com as Tuas mãos de luz E desenhaste este sorriso O que mostro não sou eu Este sorriso é Teu Ata-o ao teu coração Fá-lo crescer E deixa-o viver Sempre que Te segrede a minha oração... É a Ti que eu quero seguir A Teu lado caminhar Meu coração só deseja que vejam nele Um sorriso com que Abraças meu olhar Tocaste o meu rosto com as Tuas mãos de luz E desenhaste este sorriso O que mostro não sou eu este sorriso é Teu Ata-o ao Teu coração Fá-lo crescer E deixa-o viver Sempre que Te segrede a minha oração... Tocaste o meu rosto com as Tuas mãos de luz E desenhaste este sorriso O que mostro não sou eu Este sorriso é Teu Ata-o ao teu coração Fá-lo crescer E deixa-o viver Sempre que Te segrede a minha oração... Ata-o ao Teu coração Ata-o ao Teu coração Ata-o, ata-o,ata-o, ata-o ao Teu coração...

Nenhum olhar

O meu corpo e o que não é o meu corpo e ainda sou eu, tudo em mim, eu, o pedaço negro de céu ou de pedra, céu dentro do interior de uma pedra, fechado na solidão sólida de uma pedra, a nunca ter visto o sol, a nunca ter respirado, eu, mesmo eu, eu sou uma exaustão terminal. Sou o marotonista que deu a volta ao mundo para levar uma carta a si próprio e que, agora que se encontrou, já não é o mesmo, e que agora, ofegante, só quer inclinar-se de um precipício e respirar, e lhe tapam a boca, e muitas pessoas com muitas mãos lhe tapam a boca. O meu coração é o vácuo nos olhos de um condenado. A minha sombra é a minha solidão. Todo eu me cansei. Todo o meu cansaço colidiu com o meu cansaço, e todo eu sou isso. A noite onde morreste anoiteceu no que sou. Começou a manhã, e a noite passada é um cadáver a apodrecer dentro de mim. Irmão, não posso com os meus braços, e a claridade é a escuridão a segurá-los. Estou estafado e moído, como se tivesse sido pisado por mil pés, e preferia ter sido pi

Há um grande silêncio que está sempre à escuta…

Há um grande silêncio que está sempre à escuta… E a gente se põe a dizer inquietantemente qualquer coisa, qualquer coisa, seja o que for, desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje até tua dúvida metafísica, Hamleto! E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala o silêncio escuta… e cala. Mario Quintana

O pássaro da cabeça

As coisas melhores são feitas no ar, andar nas nuvens, devanear, voar, sonhar, falar no ar, fazer castelos no ar e ir lá para dentro morar, ou então estar em qualquer sítio só a estar, a respiração a respirar, o coração a pulsar, o sangue a sangrar, a imaginação a imaginar, os olhos a olhar (embora sem ver), e ficar muito quietinho a ser, os tecidos a tecer, os cabelos a crescer. E isso tudo a saber que isto tudo está a acontecer! As coisas melhores são de ar só é preciso abrir os olhos e olhar, basta respirar. Manuel António Pina
"Acreditar num Deus que não vemos também significa, no mínimo, esperar que Ele esteja onde nós não o podemos ver e, muitas vezes, onde estamos absolutamente convencidos que Ele não está nem poderia estar."  Tomáš Halik

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca porque metade de mim é o que eu grito mas a outra metade é silêncio. Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza que a mulher que eu amo seja para sempre amada mesmo que distante porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade. Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada porque metade de mim é o que penso e a outra metade um vulcão. Que o medo da solidão se afaste que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável que o espelho reflicta em meu rosto um doce sorriso que me lembro ter dado na infân

As Sete Palavras de Jesus na Cruz

"Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem." (Lc 23,34). "Em verdade eu te digo hoje, estarás comigo no Paraíso." (Lc 23,43). "Mulher, eis aí teu filho; olha aí a tua mãe." (Jo 19,26-27). "Eli, Eli, lama sabachthani? (Deus, meu Deus, por que me abandonaste?)" (Mt27,46 e Mc 15,34). "Tenho sede". (Jo 19,28) "Está consumado" (Jo 19,30) "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito". (Lc 23,46) Imissio
Senhor, para servir-Te melhor, dá-me um coração grande. Um coração grande para viver escolhendo aquilo que me eleva. Um coração grande nas ocupações tomando-as como uma missão que me dás. Um coração grande nas dificuldades para que lute sempre sem desanimar. Um coração grande para com os amigos, leal e atento a todos. Um coração grande para comigo mesmo que me faz dar o meu melhor a mim e aos outros. Dá-me sobretudo um coração grande para contigo, ó meu Senhor, grato pelas maravilhas que fazes em mim, disponível para construir o Teu Reino, feliz por servir-Te e servir os irmãos, todos os dias da minha vida. Amen. http://zimborios.blogspot.pt/2011/11/um-coracao-grande.html
Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará Oh! Como é triste envelhecer à porta entretecer nas mãos um coração tardio Oh como é triste arriscar em humanos regressos o equilíbrio azul das extremas manhãs de verão ao longo do mar transbordante de nós No demorado adeus da nossa condição É triste no jardim a solidão do sol vê-lo desde o rumor e as casas da cidade até uma vaga promessa de rio e a pequenina vida que se concede às unhas Mais triste é termos de nascer e morrer e haver árvores ao fim da rua É triste ir na vida como quem regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro É triste no Outono concluir que era o verão a única estação Passou o solitário vento e não o conhecemos e não soubemos ir até ao fundo da verdura como rios que sabem onde encontrar o mar e com que pontes com que ruas com que gentes com montes conviver através de palavras de uma água para sempre dita Mas o mais tri

Nunca mais é Junho

Porque é sempre de nós que nos separamos quando deixamos alguém. Álvaro de Campos
Apagaram-se as luzes: é o tempo sôfrego que principia. – É preciso cantar como se alguém soubesse como cantar. herberto helder

Tu tens um medo

Tu tens um medo:  Acabar. Não vês que acabas todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza.  Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo o dia. No amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas. Até não teres medo de morrer. E então serás eterno. Cecília Meireles

Arrancar poemas presos

A maioria das doenças que as pessoas têm São poemas presos. Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas, Poemas sem vazão. Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado. Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema. Mas não. Pessoas às vezes adoecem da razão De gostar de palavra presa. Palavra boa é palavra líquida Escorrendo em estado de lágrima Lágrima é dor derretida. Dor endurecida é tumor. Lágrima é alegria derretida. Alegria endurecida é tumor. Lágrima é raiva derretida. Raiva endurecida é tumor. Lágrima é pessoa derretida. Pessoa endurecida é tumor. Tempo endurecido é tumor. Tempo derretido é poema Você pode arrancar poemas com pinças, Buchas vegetais, óleos medicinais. Com as pontas dos dedos, com as unhas. Você pode arrancar poemas com banhos De imersão, com o pente, com uma agulha. Com pomada basilicão. Alicate de cutículas. Com massagens e hidratação. Mas não use bisturi quase nunca. Em caso de poemas difíceis use a dança. A dança é uma forma de amolece
Há medida que o tempo passa em mim, lança um desafio: «vives?» Reconheço, com o peso de quem vive o limite próprio, que demasiadas vezes me resigno a somente existir, a consumir tempo como quem consome oxigénio, olvidando a graça que o tempo é. Tempo é graça. E graça é Deus abismando-se em nós. Vida é dom e convite. E a cada dia que este repto me é lançado, alguém aguarda expectante que eu entre na festa. Nélson Faria, sj 
“I know now that we never get over great losses; we absorb them, and they carve us into different, often kinder, creatures.” Gail Caldwell, Let’s Take the Long Way Home: A Memoir of Friendship

Nenhum olhar

Fazes o caminho que só se pode fazer sozinho e de noite, pois todos temos um portão e um jardim para atravessarmos, sozinhos, de noite, debaixo e sobre e entre o medo. josé luís peixoto nenhum olhar