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A mostrar mensagens de dezembro, 2015
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê! Florbela Espanca
Podíamos dizer que um dia contaríamos esta aventura aos filhos e aos netos, mas esse é um tempo que vem longe e não sabe esperar pela intensidade da saudade, quase como se a saudade acordasse todas as manhãs com o apito interminável e a voz rouca do "Alvorada, Alvorada" que agora, silenciosa, é tão desejada. Estranhamos, o chão não foge, mas as pernas ainda procuram o apoio constante de mais uma trave do convés. Estranhamos, acordamos, devagarinho, fazemos todos os cálculos, falhamos todos ainda assim, mas a cabeça já não bate na cama de cima ou no teto do terceiro andar. Estranhamos, é hora de almoçar e ninguém dá a notícia tão esperada ao ETO que o almoço irá ser servido. Estranhamos, hoje não descascámos dois sacos de batatas, nem formámos a meio navio, não há operação do vidrinho, nem castanhos para maldizer ou amarelos para polir. Estranhamos, o nosso quarto não se chama coberta, mas nos importaríamos, apesar da confusão e do apertadinho espaço, que assim continuasse.
 Quase toda a gente gosta de saber o seu futuro e paga para isso a astrólogos ou às bruxas. Mas só na ideia de que esse futuro seja bom. E é o que eles lhes dizem para não fecharem a porta. Mas o negócio continuaria, ainda que te dissessem que morrerias no dia seguinte. Porque a morte é a única certeza em que não se acredita. Se fores condenado à forca e tiveres já a corda ao pescoço, o minuto que faltava seria ainda de vida, ou seja de eternidade. vergílio ferreira escrever edição de helder godinho bertrand editora 2001
Em nome dos que choram, Dos que sofrem, Dos que acendem na noite o facho da revolta E que de noite morrem, Com a esperança nos olhos e arames em volta. Em nome dos que sonham com palavras De amor e paz que nunca foram ditas, Em nome dos que rezam em silêncio E estendem em silêncio as duas mãos aflitas. Em nome dos que pedem em segredo A esmola que os humilha e os destrói E devoram as lágrimas e o medo Quando a fome lhes dói. Em nome dos que dormem ao relento Numa cama de chuva com lençóis de vento O sono da miséria, terrível e profundo. Em nome dos teus filhos que esqueceste, Filho de Deus que nunca mais nasceste, Volta outra vez ao mundo! José Carlos Ary dos Santos In: Vinte Anos de Poesia, 1963-1983. Lisboa: Distri, 1983, p. 21 

suspender a noite e o coração

é porque existe o desejo, o olfacto, e o medo, e os vivos apaixonam-se por outros vivos, e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos, e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho, e o quotidiano aí já não basta, porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável E não basta então a mulher que amamos, nem os filhos - os que nos vão sobrevive no tempo - e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, é preciso sair dos ossos, fugir do obrigatório, à casa, encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa, fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância onde Deus era chocolate e o resolvíamos assim, de uma vez, porque o comíamos Porque mais tarde crescemos e ganhámos dinheiro, família, e alguns outros assuntos, mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar, de que não sabemos falar. E é preciso isso tudo, e por quase tudo o que faltou dizer, é por isso que é bom, por vezes, suspender a noite e o coraçã
Peço-Te que a minha mão aberta, se torne muitas vezes manjedoura. Padre José Tolentino Mendonça  (postal entregue no dia de Natal na Capelo do Rato na missa do meio dia e meia)
Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas. Mia Couto, Mulheres de Cinza
Diz a mãe: a vida faz-se como uma corda. É preciso trançá-la até não distinguirmos os fios dos dedos. Mia Couto, Mulheres de Cinza

Porque também gosto muito disto ;-)

Liberdade total e absoluta Creoula 2015