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A mostrar mensagens de 2015
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê! Florbela Espanca
Podíamos dizer que um dia contaríamos esta aventura aos filhos e aos netos, mas esse é um tempo que vem longe e não sabe esperar pela intensidade da saudade, quase como se a saudade acordasse todas as manhãs com o apito interminável e a voz rouca do "Alvorada, Alvorada" que agora, silenciosa, é tão desejada. Estranhamos, o chão não foge, mas as pernas ainda procuram o apoio constante de mais uma trave do convés. Estranhamos, acordamos, devagarinho, fazemos todos os cálculos, falhamos todos ainda assim, mas a cabeça já não bate na cama de cima ou no teto do terceiro andar. Estranhamos, é hora de almoçar e ninguém dá a notícia tão esperada ao ETO que o almoço irá ser servido. Estranhamos, hoje não descascámos dois sacos de batatas, nem formámos a meio navio, não há operação do vidrinho, nem castanhos para maldizer ou amarelos para polir. Estranhamos, o nosso quarto não se chama coberta, mas nos importaríamos, apesar da confusão e do apertadinho espaço, que assim continuasse.
 Quase toda a gente gosta de saber o seu futuro e paga para isso a astrólogos ou às bruxas. Mas só na ideia de que esse futuro seja bom. E é o que eles lhes dizem para não fecharem a porta. Mas o negócio continuaria, ainda que te dissessem que morrerias no dia seguinte. Porque a morte é a única certeza em que não se acredita. Se fores condenado à forca e tiveres já a corda ao pescoço, o minuto que faltava seria ainda de vida, ou seja de eternidade. vergílio ferreira escrever edição de helder godinho bertrand editora 2001
Em nome dos que choram, Dos que sofrem, Dos que acendem na noite o facho da revolta E que de noite morrem, Com a esperança nos olhos e arames em volta. Em nome dos que sonham com palavras De amor e paz que nunca foram ditas, Em nome dos que rezam em silêncio E estendem em silêncio as duas mãos aflitas. Em nome dos que pedem em segredo A esmola que os humilha e os destrói E devoram as lágrimas e o medo Quando a fome lhes dói. Em nome dos que dormem ao relento Numa cama de chuva com lençóis de vento O sono da miséria, terrível e profundo. Em nome dos teus filhos que esqueceste, Filho de Deus que nunca mais nasceste, Volta outra vez ao mundo! José Carlos Ary dos Santos In: Vinte Anos de Poesia, 1963-1983. Lisboa: Distri, 1983, p. 21 

suspender a noite e o coração

é porque existe o desejo, o olfacto, e o medo, e os vivos apaixonam-se por outros vivos, e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos, e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho, e o quotidiano aí já não basta, porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável E não basta então a mulher que amamos, nem os filhos - os que nos vão sobrevive no tempo - e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, é preciso sair dos ossos, fugir do obrigatório, à casa, encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa, fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância onde Deus era chocolate e o resolvíamos assim, de uma vez, porque o comíamos Porque mais tarde crescemos e ganhámos dinheiro, família, e alguns outros assuntos, mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar, de que não sabemos falar. E é preciso isso tudo, e por quase tudo o que faltou dizer, é por isso que é bom, por vezes, suspender a noite e o coraçã
Peço-Te que a minha mão aberta, se torne muitas vezes manjedoura. Padre José Tolentino Mendonça  (postal entregue no dia de Natal na Capelo do Rato na missa do meio dia e meia)
Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas. Mia Couto, Mulheres de Cinza
Diz a mãe: a vida faz-se como uma corda. É preciso trançá-la até não distinguirmos os fios dos dedos. Mia Couto, Mulheres de Cinza

Porque também gosto muito disto ;-)

Liberdade total e absoluta Creoula 2015

IKEA presents THE OTHER LETTER

Eu

Se soubessem que me descalço para me perder no caminho,  saberiam que não tenho pegadas, apenas metamorfose

O que dizem os abraços

Juntar as pontas dos ombros e dar algumas palmadinhas nas costas não é um abraço. Escrever "abraço" no fim de um e-mail também não é um abraço. Indiferente ao desenvolvimento social e tecnológico, um abraço continua a ser duas pessoas que se juntam e se apertam uma de encontro à outra. Esses rapazes que aparecem com cartazes a oferecerem abraços nos festivais de verão têm graça e talvez sejam bem-intencionados, mas fazem publicidade enganosa. Não são os abraços que provocam as ligações, são as ligações que provocam os abraços. Um abraço não é apenas duas pessoas que se juntam e se apertam uma de encontro à outra. Um abraço tem muita importância. Quando eu era uma criança, teria talvez uns nove ou dez anos, o meu pai deu-me um abraço na cozinha da nossa casa. Era de madrugada porque essa era a hora em que, naquele tempo, se saía da minha terra quando se ia para Lisboa. O meu pai tinha uma operação marcada no hospital, estava vestido com as roupas novas e tinha

Senhor Imediato, não dê "Volta à Faina"

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão, Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido, Olho e contenta-me ver, Pequeno, negro e claro, um paquete entrando. Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira. Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo. Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio, Aqui, acolá, acorda a vida marítima, Erguem-se velas, avançam rebocadores, Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto. Há uma vaga brisa. Mas a minh'alma está com o que vejo menos, Com o paquete que entra, Porque ele está com a Distância, com a Manhã, Com o sentido marítimo desta Hora, Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea, Como um começar a enjoar, mas no espírito. Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma, E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente. Os paquetes que entram de manhã na barra Trazem aos meus olhos consigo O mistério alegre e triste de quem chega e parte. Trazem memórias de cai

Father and Son have the most precious conversation about Paris attacks

How To Connect With Anyone

Quando forem de pedra  os teus olhos uns te darão por falecido. Quando forem de fogo os insectos que te devoram: talvez então te digam defunto. Mas nem pedra nem fogo te darão ausência: no teu ombro pousa o voo dos regressos. A vida  é um prematuro sonho. Só morre  quem nunca viveu. Mia Couto
Amar,  só ama quem amou antes. Felizes os que sabem que, antes deles, se cumpriram amores. Afortunados os que de si sabem no milagre das estações. Venturosos os que escutam a mulher dizer: estou a sonhar um filho. E engravida. A alma que temos  só fora de nós  tem morada. E vai-nos chegando  como a distante luz que em nós demora: - um olhar sem fundo, uma palavra cega à procura do mundo. Mia Couto
É urgente o amor. É urgente um barco no mar. É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer. Eugénio de Andrade
Numa outra vida que foi minha. Que é minha. Intensamente minha.
Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada, E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio, Então, sozinho de mim, passageiro parado De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti. Todo o passado, em que foste um momento eterno E como este silêncio de tudo. Todo o perdido, em que foste o que mais perdi, É como estes ruídos, Todo o inútil, em que foste o que não houvera de ser É como o nada por ser neste silêncio nocturno. Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem, Quantos amei ou conheci, Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa; Ou um [...] assustado e mudo, E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite Branco e negro de campas e [...] e de luar alheio E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti. Álvaro de Campos

O encontro

António Lobo Antunes Visão 27.10.2011 às 8h43 Conto até cem e, se não chegares antes dos cem, vou-me embora. Não chegaste antes dos cem. Conto de cem a um e, se não chegares antes do um, vou-me embora. Não chegaste antes do um. Conto dez automóveis pretos e, se não chegares antes dos dez automóveis pretos, vou-me embora. Não chegaste antes dos dez automóveis pretos. Nem antes dos quinze taxis vazios. Nem antes dos sete homens carecas. Nem antes das nove mulheres loiras. Nem antes das quatro ambulâncias. Nem sequer antes dos três corcundas e, entretanto, começou a chover. Começou a chover e não há um toldo onde abrigar-me, eu que não trouxe guarda-chuva, o céu sem nuvens quando saí de casa, previsão de céu sem nuvens para hoje, os camelos da meteorologia deviam ser fuzilados mas infelizmente não estamos em Cuba nem há maneira da máfia napolitana tomar conta da miséria deste país. E, já agora, da minha miséria, feito parvo à tua espera. Encosto-me ao prédio na esperança de me molhar m

Hoje, olhei-Te

Hoje olhei-Te daquela forma ... Vi que deixasTe sementes caídas em mim, prontas a crescer e a dar fruto! Vi que (quando me acolhesTe na Tua família) me deste a Água viva para as fazer crescer e a Luz forte que não abandona e que ainda me deste os que me podiam ajudar a colher os bons frutos! Olhei-Te mais uma vez ... e vi que ficaram espaços que foram preenchidos pelas sementes do inimigo, emanadas pela luz das trevas. Olhei-Te atentamente, por mais uns segundos ... vi que o tempo foi passando, as sementes brotando ... as boas e as más, de uma forma tão rápida, que eu fui deixando passar ... Olhei-Te uma última vez e perguntei: "Mas que frutos quero eu colher?" http://pegadasdapulga.blogspot.pt/2011/07/sementes.html
A vida ri-se das probabilidades e põe palavras onde imaginamos silêncios e súbitos regressos quando pensávamos que não nos voltaríamos a encontrar. José Saramago
Saudade de um mar para navegar e não ter ânsia de chegar. Vigia, Creoula 2015

Estou em construção

Se eu errei, se eu o magoei, se eu o julguei mal, desculpe-me por todos esses transtornos… Estou em construção! Durante a nossa vida causamos transtornos na vida de muitas pessoas porque somos imperfeitos. Nas esquinas da vida, pronunciamos palavras inadequadas, falamos sem necessidade, incomodamos. Nas relações mais próximas, agredimos sem intenção ou intencionalmente. Mas agredimos. Não respeitamos o tempo do outro, a história do outro. Parece que o mundo gira em torno dos nossos desejos e o outro é apenas um detalhe. E, assim, vamos causando transtornos. Esses tantos transtornos mostram que não estamos prontos, mas em construção. Tijolo a tijolo, o templo da nossa história vai ganhando forma. O outro também está em construção e também causa transtornos. E, às vezes, um tijolo cai e magoa-nos. Outras vezes, é a cal ou o cimento no rosto. E quando não é um, é outro. E com o tempo todos nós temos que nos limpar e cuidar das feridas, assim como os outros que convivem connosco tamb

Não és os outros

Não há-de te salvar o que deixaram Escrito aqueles que o teu medo implora; Não és os outros e encontras-te agora No meio do labirinto que tramaram Teus passos. Não te salva a agonia De Jesus ou de Sócrates ou o forte Siddharta de ouro que aceitou a morte Naquele jardim, ao declinar o dia. Também é pó cada palavra escrita Por tua mão ou o verbo pronunciado Pela boca. Não há pena no Fado E a noite de Deus é infinita. Tua matéria é o tempo, o incessante Tempo. E és cada solitário instante. Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro" Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Disseram-e hoje que havia uma música que poderia ter o meu nome

Hoje a semente que torna na terra E que se esconde no escuro que encerra Amanha nascerá uma flor. Ainda que a esperança da luz seja escassa A chuva que molha e passa  Vai trazer numa luta amor. Também eu estou à espera da luz Deixou-me aqui onde a sombra seduz. Também eu estou à espera de mim Algo me diz que a tormenta passará. REFRÃO: É preciso perder para depois se ganhar E mesmo sem ver, acreditar. É a vida que segue e não espera pela gente Cada passo que demos em frente Caminhando sem medo de errar. Creio que a noite sempre se tornará dia E o brilho que o sol irradia Há-de sempre me iluminar. Quebro as algemas neste meu lamento, Se renasço a cada momento, Meu destino na vida é maior. Também eu vou em busca da luz Saio daqui onde a sombra seduz. Também eu estou à espera de mim Algo me diz que a tormenta passará. REFRÃO: É preciso perder para depois se ganhar E mesmo sem ver, acreditar. É a vida que segue e não

A Fé: dom ou escolha?

Esta não é uma questão fácil e não tenho a pretensão de responder a ela de um modo definitivo. Talvez consiga apenas, nestas poucas linhas, levantar mais questões ou, na melhor das hipóteses, abrir portas para uma resposta. Muitas pessoas gostavam de acreditar em Deus, sentem o desejo sincero de ter fé, mas simplesmente não a têm, não a encontram. Como se pode explicar isto? Que significa isto? Se a fé é um dom, porque é que parece não ser dada a todos? Se é uma escolha, que papel tem Deus no meio disto tudo? Porque que é que há pessoas que têm uma experiência viva de fé e outras que parecem não a ter? Um dado essencial da fé é que o Homem é capaz de Deus, foi criado por Deus e para Deus. O Homem tem inscrito em si esta abertura ao Criador. E Deus não cessa de atrair o Homem a Si e é em Deus que o Homem encontra a verdade e a felicidade que incessantemente procura (cf. Catecismo da Igreja Católica, 26-28). Um outro dado essencial é que o Homem pode conhecer Deus porque Deus S

Ouço e sinto, de olhos fechados

Só para que se registe: um dia eu volto!!!

E por vezes

E por vezes as noites duram meses E por vezes os meses oceanos E por vezes os braços que apertamos nunca mais são os mesmos E por vezes encontramos de nós em poucos meses o que a noite nos fez em muitos anos E por vezes fingimos que lembramos E por vezes lembramos que por vezes ao tomarmos o gosto aos oceanos só o sarro das noites não dos meses lá no fundo dos copos encontramos E por vezes sorrimos ou choramos E por vezes por vezes ah por vezes num segundo se evolam tantos anos David Mourão-Ferreira, in 'Matura Idade'

Vou chegar contigo onde só chega quem não tem medo de naufragar

Saudade

Hoje sentámo-nos no Piolho a contar aos nossos amigos. E rimos muito. Valeu a pena! Quando é assim vale a pena!

Um Homem é um Homem.

Um Homem é um Homem. Um Homem a morrer afogado é um Homem. Mesmo que não seja refugiado a sério, mesmo que até tenha acabado de matar outro Homem. Um Homem a morrer afogado é um Homem, e primeiro salvam-se vidas, depois trata-se do resto.  Há oportunistas, haverá potenciais terroristas, há fanáticos religiosos. Haverá. Mas primeiro salvam-se vidas, depois trata-se do resto. Quando um Homem está a morrer afogado não há tempo para lhe perguntar se aceita a nossa liberdade relig iosa, a nossa igualdade, a nossa Democracia. A nossa religião, para os que a temos, ensina isso, mesmo a quem não comunga. A nossa Democracia, que é mais do que votar, depende isso. Primeiro salvam-se vidas, depois trata-se do resto. E o resto não é pouco. Claro que não podem todos ficar. Claro que ter missões de salvamento junto à costa é promover maiores fluxos. Claro que por cada asilo concedido se promove maior tráfico de Homens. Mas agora há Homens a morrer. Primeiro salvam-se vidas, depois trata-se do resto.

Proteção

A meu favor tenho o teu olhar testemunhando por mim perante juízes terríveis: a morte, os amigos, os inimigos. E aqueles que me assaltam à noite na solidão do quarto refugiam-se em fundos sítios dentro de mim quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto. Protege-me com ele, com o teu olhar, dos demónios da noite e das aflições do dia, fala em voz alta, não deixes que adormeça, afasta de mim o pecado da infelicidade. Manuel António Pina
"Há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre (...). O ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a acção de Deus na alma, mas também chegar a encontrá-Lo em todas as coisas." Laudato si, 233 - Papa Francisco

Oh Pinto, deixas-me fazer o pão hoje?

Na Marinha, sê amiga do Sr. Padeiro.
“O tempo não é uma medida, um ano não conta, dez anos não representam nada, ser pessoa não significa contar, não se trata de contar o tempo, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste serena aos grandes ventos da primavera sem temer que o verão possa não vir. O verão há de vir, mas só vem para aqueles que sabem esperar tão sossegados como se tivessem diante de si a eternidade.” Rainer Maria Rilke em “Cartas a Um Jovem Poeta”

Buraco de luz para Deus

Ligo o braço longe a uma estrela A lua límpida sobe no céu Um anel passa através de outro anel Procuro o tempo e encontro a passagem Procuro a morada e encontro o relento Às vezes mesmo sem voz Às vezes até sem palavras Silêncio que Deus me deu És uma forma de luz Tornas sagrado o que existe, centelhas da verdade Somos o barro, somos poeira O teu vento errante nos leva Eu sei existe em mim, mesmo no fundo de um poço Um buraco de luz para Deus Um nome escrito no céu E não sei o que fazer e rezo Rezo sem saber dizer o quê e a quem Mas rezo Rezo o chão e a flor, o pão e a fome, Rezo o branco e a dor Nas letras do teu nome Há um buraco de luz José Tolentino Mendonça Composição da oratória “Credo”

Chorar para quê?

ionline Inês Teotónio Pereira  Num dos seus livros, CS Lewis explica como é indiferente odiarmos ou amarmos o que nos é distante. Odiar Hitler, Estaline e arrepiarmo-nos com as atrocidades que eles cometeram não nos faz melhores pessoas. Não nos faz nada. Por outro lado, idolatrar alguém que não conhecemos também não quer dizer que temos maior ou menor capacidade para amar. Odiarmos ou indignarmo-nos com algo distante é apenas confortável, é uma espécie de festinha à nossa moral tão frágil e à nossa sensibilidade, que vai minguando conforme crescemos. Mas é apenas uma festinha. As nossas vidas estão repletas de ódios vários. Odiamos racistas, odiamos assassinos, odiamos pedófilos, odiamos homens que batem nas mulheres, odiamos terroristas. Odiamos muita gente. Gente que não conhecemos e que apenas nos horroriza. E é por os odiarmos que nos sentimos muitas vezes melhores pessoas; quem mais odeia o mal melhor é, dizemos nós à nossa frágil moral. A fotografia do menino na praia arrep

Amor após amor

Virá o momento em que, com júbilo haverás de te cumprimentar ao chegares à tua própria porta, ao teu próprio espelho e ambos haverão de sorrir às boas-vindas um do outro, dizendo, senta-te aqui. Come. Amarás novamente o desconhecido que foi o teu eu. Serve o vinho. Serve o pão. Devolve o teu coração a si próprio, ao desconhecido que te amou durante toda a tua vida, que ignoraste em troca de outro, que te conhece de cor. Vai buscar as cartas de amor à prateleira, as fotografias, os bilhetes desesperados, desprende a tua própria imagem do espelho. Senta-te. Regala-te com a tua própria vida. - Derek Walcott

O chão que não precisa de voar

Há pessoas que amam com os dedos todos sobre a mesa. Aquecem o pão com o suor do rosto e quando as perdemos estão sempre ao nosso lado. Por enquanto não nos tocam: a lua encontra o pão caiado que comemos enquanto o riso das promessas destila na solidão da erva. Estas pessoas são o chão onde erguemos o sol que nos falhou os dedos e pôs um fruto negro no lugar do coração. Estas pessoas são o chão que não precisa de voar. Rui Costa Nuvem Prateada das Pessoas Graves

Que fizeste ao teu irmão?

JOÃO MIGUEL TAVARES   01/09/2015 - 00:54 http://www.publico.pt/mundo/noticia/que-fizeste-ao-teu-irmao-1706514 Na semana passada, junto ao quiosque onde costumo comprar os jornais, uma senhora de cabelos brancos, muito Avenida de Roma, comentava a questão dos refugiados. Colocada perante a possibilidade de Portugal vir a assumir um papel de maior relevo no seu acolhimento, e investir na construção de um centro para refugiados no Algarve, a senhora proclamou: "Espero que não seja junto ao sítio onde passo férias. Já por lá há tanta gente que nem consigo ir ao supermercado." Isto foi dito poucos dias depois de 71 refugiados terem morrido sufocados dentro de um camião frigorífico no meio da Áustria. Aquela senhora é certamente encantadora para os seus netinhos e, quem sabe, para os seus animais domésticos. Infelizmente, quando colocada perante o terrível dilema de ter de escolher entre o aumento das filas do supermercado que frequenta durante 15 dias a cada Verão e

Editorial: Por que publicamos esta fotografia

http://www.publico.pt/mundo/noticia/porque-publicamos-esta-fotografia-1706724 DIRECÇÃO EDITORIAL   02/09/2015 - 22:47 Não é fácil olhar para esta fotografia e não foi fácil tomar a decisão de a publicar. É uma imagem que impressiona. O primeiro instinto que temos é desviar o olhar. A seguir olhamos de novo, mas a querer fechar os olhos. No esforço entre olhar e não olhar, acabamos por levar uma estalada duas vezes. Tínhamos algumas opções: não publicar, publicar uma imagem mais ambígua, ou publicar no espaço mais nobre do jornal. Há bons argumentos para não a mostrar. É uma imagem violenta , logo evitável; há formas mais subis de mostrar a realidade sem cair no sensacionalismo, “sem mostrar o horror”, como diz um colega fotógrafo; temos de respeitar a dignidade daquela criança. Mas há melhores argumentos para a mostrar. Às vezes, é nosso dever publicar imagens impressionantes. Sem pixéis, sem sombras, sem filtros. Vamos de forma paternalista proteger o leitor de quê? De ver uma