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A mostrar mensagens de janeiro, 2018
nada é tão meu quanto o desejo de voltar
Não: devagar. Devagar, porque não sei Onde quero ir. Há entre mim e os meus passos Uma divergência instintiva. Há entre quem sou e estou Uma diferença de verbo Que corresponde à realidade. Devagar... Sim, devagar... Quero pensar no que quer dizer Este devagar... Talvez o mundo exterior tenha pressa demais. Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo. TaIvez a impressão dos momentos seja muito próxima... Talvez isso tudo... Mas o que me preocupa é esta palavra devagar... O que é que tem que ser devagar? Se calhar é o universo... A verdade manda Deus que se diga. Mas ouviu alguém isso a Deus? Álvaro de Campos

Por quem os sinos choram?

Os sinos choram pelos que souberam viver e pelos que desperdiçaram a vida a pensar que não morreriam. . Choram pelos que acreditaram na vida eterna e pelos que acreditaram que a vida é só um momento. . Os sinos choram pelos que tiveram, e foram, uma família e por todos os que passaram a vida à procura de ter uma, onde pudessem ser.  . Choram pelos que, desde o berço ao túmulo, sempre se levantaram e pelos que se arrastaram pelas horas dos seus dias e das suas noites. . Os sinos choram no outono e na primavera, quando as folhas caem e quando as flores se abrem à luz. . Choram por aqueles de quem sentiremos saudade e por aqueles que não deixaram marcas no coração de ninguém. . Os sinos choram e chamam-nos. Fazem estremecer os nossos silêncios e apontam-nos para a verdade. . Choram pelos que amaram e pelos que nunca foram amados. Pelos que triunfaram e pelos que foram esmagados. . Os sinos choram nas brisas suaves que trazem farrapos de memória dos que fo
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História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens. Agora, quando desembrulho minhas lembranças eu aprendo meus muitos idiomas. Nem assim me entendo. Porque enquanto me descubro, eu mesmo me anoiteço, fosse haver coisas só visíveis em plena cegueira. Cada homem é uma raça Mia Couto

Toda a vida é procura

A narrativa do Evangelho João 1, 35-42 aponta as características essenciais do itinerário de fé dos discípulos de todos os tempos, inclusive para nós, a partir da pergunta que Jesus dirige aos dois que, impelidos por João Batista, se põem a segui-lo: «Que procurais?». É a mesma pergunta que, na manhã de Páscoa, o Ressuscitado dirigirá a Maria Madalena: «Mulher, quem procuras?». Cada um de nós, enquanto ser humano, está à procura: à procura de felicidade, de amor, de vida boa e plena. Deus Pai deu-nos tudo isto no seu Filho Jesus. Nesta procura é fundamental o papel de uma verdadeira testemunha, de uma pessoa que antes fez o caminho e encontrou o Senhor. No Evangelho, João Batista é esta testemunha. Por isso pode orientar os discípulos para Jesus, que os envolve numa nova experiência dizendo: «Vinde e vereis». E aqueles dois nunca mais poderão esquecer a beleza daquele encontro, ao ponto de o evangelista anotar até a hora: «Eram cerca das quatro da tarde». Só um encontro pe
Que música escutas tão atentamente que não dás por mim? Que bosque, ou rio, ou mar? Ou é dentro de ti que tudo canta ainda? Queria falar contigo, dizer-te apenas que estou aqui, mas tenho medo, medo que toda a música cesse e tu não possas mais olhar as rosas. Medo de quebrar o fio com que teces os dias sem memória. Com que palavras ou beijos ou lágrimas se acordam os mortos sem os ferir, sem os trazer a esta espuma negra onde corpos e corpos se repetem, parcimoniosamente, no meio de sombras? Deixa-te estar assim, ó cheia de doçura, sentada, olhando as rosas, e tão alheia que nem dás por mim. Eugénio de Andrade
Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre e sonha com viagens na pele salgada das ondas. Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios; mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder, porque o ar que respiras junto de mim é como um vento a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces - o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz senão enumerar as próprias feridas ( como a falésia conta as embarcações perdidas nos gritos do mar) ; e o rosto espia os espelhos à espera de que a dor desapareça. Se me abraçares, não partas. Maria do Rosário Pedreira
Não. Não tenho limites. Quero de tudo Tudo. O ramo que sacudo Fica varejado. Já nascido em pecado, Todos os meus pecados são mortais. Todos tão naturais À minha condição, Que quando, por excepção, Os não pratico É que me mortifico. Alma perdida Antes de se perder, Sou uma fome incontida De viver. E o que redime a vida É ela não caber Em nenhuma medida. Miguel Torga
Zumalai, Agosto de 2017 "Irmã, desenha coração no Jesus" Kika e Açan
Do Oriente veio em procissão de esperança O melhor da nossa humanidade. Os três magos caminharam à luz de uma estrela nova, Recém-nascida, Mansa, Como uma criança. A procissão faz-se em passos de dança, E a estrela só pode ser olhada com olhos puros, De cristal, Com alma enternecida, E coração de natal. Por isso, Não a viu Herodes, Não a viram os guardas, Não a viram os sábios, Que arrastavam os olhos por velhos alfarrábios. Viram-na os magos, Pegaram nela à mão, Levaram-na aos lábios, Deitaram-na no coração. Vem, Senhor Jesus. O mundo precisa tanto da tua Luz. http://rr.sapo.pt/printArticle.aspx?objid=6279a3d6-34d3-e611-80c8-00155d014930
Homilia do Papa Francisco por ocasião da Solenidade da Epifania do Senhor O nosso percurso ao encontro do Senhor, que hoje Se manifesta como luz e salvação para todos os povos, é elucidado por três gestos dos Magos. Estes veem a estrela, põem-se a caminho e oferecem presentes. Ver a estrela. É o ponto de partida. Mas, poder-nos-íamos perguntar: Por que foi que só os Magos viram a estrela? Porque talvez poucos levantaram o olhar para o céu. De facto na vida, muitas vezes, contentamo-nos com olhar para a terra: basta a saúde, algum dinheiro e um pouco de divertimento. E pergunto-me: Sabemos nós ainda levantar os olhos para o céu? Sabemos sonhar, anelar por Deus, esperar a sua novidade, ou deixamo-nos levar pela vida como um ramo seco pelo vento? Os Magos não se contentaram com deixar correr, flutuando. Intuíram que, para viver de verdade, é preciso uma meta alta e, por isso, é preciso manter alto o olhar. E poder-nos-íamos perguntar ainda: Porque é que muitos outros,

Há dias que nascem saudade

Suai, Timor 15 de Agosto de 2017 Sininho e Peter-Pan
Deus manifesta-se em Jesus que nasce. Mas a grande questão é: Como se reconhece? Como se reconhece a passagem de Deus pela nossa história? Como se reconhece a sua epifania quotidiana? Com que gramática, de que forma ou com que guia podemos reconhecer a fantástica presença de Deus na nossa vida? Porque Ele está. Fez-se vizinho à nossa carne. A nós é que nos falta a capacidade de reconhecê-lo. Herodes, por exemplo, estava melhor colocado do que os magos para saber que tinha nascido o rei dos judeus. E, contudo, não sabia de nada. Aconteceu uma coisa grandiosa no seu reino que ele não foi capaz de enxergar. Ele tinha os sábios da sua corte e a Escritura que dizia: «O Messias vai nascer em Belém». O que é que lhe faltava? Tinha todos os referentes, toda a sabedoria, todo o conhecimento, mas Jesus nasceu e ele não soube. Essa notícia foi-lhe dada por estranhos vindos de longe. O que é que faltava a Herodes e o que é que nos falta a nós? Perguntemo-lo com franqueza. Falta-nos atençã
Uns, com os olhos postos no passado, Vêem o que não vêem: outros, fitos Os mesmos olhos no futuro, vêem O que não pode ver-se. Por que tão longe ir pôr o que está perto — A segurança nossa? Este é o dia, Esta é a hora, este o momento, isto É quem somos, e é tudo. (...) Ricardo Reis, in "Odes" Heterónimo de Fernando Pessoa
Senhor: não peço mais que silêncio, o silêncio das noites de planície como enevoadas águas, o silêncio dos montes quando a tarde acabou e as pedras se afiam na friagem que é azul-celeste, o silêncio do sol encarquilhando as folhas, e o vento na areia depois de ter passado, o silêncio das ondas ao longe espumejando tranquilas, o silêncio das mãos e o dos olhos, e o das aves negras que pairam nas alturas de um céu silencioso e límpido. Não peço mais que silêncio. O silêncio das ideias que deslizam no tecto escorregadio da memória silente. E o silêncio dos sonhos coloridos, e o dos outros a preto e branco imagens desejadas que não pensei que desejava e esqueço ao querer lembrá-las. E o silêncio dos sexos que se possuem sem uma palavra. E o do amor também, tão silencioso esse, que não sei quem amo. Não peço mais. Afasta de mim o estrondo: não o das cidades, ou dos homens, das águas, do que estala na memória ou penumbra das salas desertas. Afasta de mim o estrondo com que a vida se acabará