Do outro lado da casa, as crianças brincam com o tempo que corre para que elas não brinquem com ele. Na casa ao lado, um cão vê o tempo a passar e ladra-lhe para ele fugir como se fosse um ladrão. Na rua, o mendigo pede a toda a gente a esmola de um tempo, e toda a gente diz que não tem tempo para lhe dar. No café, peço uma chávena de tempo, curto e bem forte porque não tenho tempo para dormir, mas ao meu lado há quem peça uma chávena bem cheia de tempo para que o tempo demore a beber. Há quem corra por falta de tempo, e o tempo vai atrás dele para o apanhar. No metro, a rapariga atravessa o cais, devagar, como se tivesse mais tempo do que todos os que contam o tempo para não lhes descontarem no tempo. E quando me perguntam se tenho tempo, olho para o relógio, como se ele estivesse cheio de tempo, e peço que tirem de dentro dele todo o tempo, e que o esvaziem até ao último segundo, para eu ficar com tempo para ver quanto tempo já passou. Nuno Júdice