Avançar para o conteúdo principal

Conto de Páscoa


DN 2013-04-01
JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Um homem tinha três filhos. O mais novo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde." E o pai repartiu os bens entre os três. Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua.
Quando o pai viu isso entrou em casa muito pesaroso. O segundo irmão, ao vê-lo tão triste, e sabendo o que tinha acontecido, disse-lhe: "Pai, aquele teu filho sempre foi má rês. Por isso te roubou. O que temos a fazer é esquecê-lo o mais depressa possível. Continuaremos felizes os três com o que ele cá deixou."
Mas o filho mais velho, que nascera de um primeiro casamento, estava tão triste quanto o pai. Ele tinha ajudado na educação dos mais novos, e muitas vezes os tivera a seu cargo quando eram crianças. Foi ter com o pai e disse-lhe que iria abandonar tudo para acompanhar o irmão que partira. Ele bem sabia que o jovem não o quereria por perto, mas haveria de o vigiar à distância, protegendo-o se fosse preciso e mandando regularmente notícias ao pai. Nesse mesmo dia, o filho mais velho encheu um pequeno saco com o essencial e partiu atrás do irmão.
O mais novo andou por várias terras esbanjando tudo quanto possuía, numa vida desregrada. O irmão nunca se deu a conhecer, mas várias vezes, sem o outro dar por isso, o conseguiu livrar de alguns sarilhos graves. A primeira vez que o jovem notou a presença do mais velho foi no Egipto, quando estava preso por dívidas. O irmão pagou-lhe a fiança e conseguiu libertá-lo daquela terra de escravidão, levando-o para uma outra onde corria leite e mel. O rapaz, um pouco surpreendido pela súbita e oportuna aparição do irmão, agradeceu a libertação, e prometeu portar-se melhor no futuro, cumprindo os mandamentos que vinham numa carta do pai, que o outro então lhe entregou.
Depois de libertado, e durante algum tempo, o filho mais novo comportou-se mais razoavelmente na nova terra. Mas em breve retomou a vida de estróina. Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. Então foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E, caindo em si, disse: "Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros." E, levantando-se, foi ter com o pai.
O filho mais velho, que nunca o tinha abandonado e andava ali por perto, ficou feliz perante a decisão do irmão, e mandou imediatamente a notícia ao pai, para que este o esperasse e o pudesse abraçar assim que chegasse.
Entretanto, o dono dos porcos, patrão do filho mais novo, ficou furioso quando percebeu que o seu escravo abandonara a tarefa. Mandou imediatamente vários servos atrás dele para que o prendessem, prometendo que lhe haveria de dar morte. O mais velho, que também regressava a casa, a uma certa distância atrás do irmão, quando viu aquele grupo apressado de homens armados, percebeu imediatamente o que tinha acontecido e interpelou-os. Ao tomar consciência da situação, ofereceu-se para voltar como seu prisioneiro em vez do irmão. Os servos hesitaram, sem saber se o patrão aceitaria a troca, mas, convencidos com os argumentos do homem, tomaram-no como prisioneiro e regressaram à fazenda dos porcos.
O patrão, ao ver regressar os seus servos com o irmão do escravo fugitivo ficou furioso. O preso explicou que de boa vontade substituiria o jovem no seu trabalho, se o senhor permitisse ao irmão voltar para junto do pai que tanto o amava. Mas este respondeu que um escravo fugitivo tinha de sofrer uma pena dura, para servir de exemplo a todos os outros. Se ele quisesse substituir o irmão, tinha de ser no cadafalso.
Então o irmão mais velho entregou-se à morte para redimir a dívida do mais novo. Foi sacrificado no patíbulo, apesar de inocente.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.