Avançar para o conteúdo principal

Público 2012-02-25 Miguel Esteves Cardoso

Na quinta-feira vimos duas, primeiras papoilas. Eram pobres coisas, mais a caminho da morte do que do fulgor, mas eram pioneiras da Primavera. Parámos o carro e fartámo-nos de fotografá-las. Nas fotografias ficaram menos feias. Apareceram também umas moscas. Estavam desorientadas e nem sequer sabiam chatear. Eram mosquinhas suspensas no ar, como se numa peça infantil, pouco convincentes mas inofensivas. E vi um aranhiço recém-nascido na palma da minha mão. Esperam-se as andorinhas a qualquer momento. Onde é que elas voam?

23 de Fevereiro há-de ficar como o dia mais bonito desde Novembro passado. Foi uma tarde para guardar na memória, como promessa do que aí vem, quando levarmos com as chuvadas que andamos há meses a adiar.

O meu sogro Joaquim morreu no dia 23 de Fevereiro de 2008. No dia em que foi enterrado choveu em Lisboa como eu nunca tinha visto: uma chuva grossa que batia na terra, como se a odiasse.

Passou a ser um dia infeliz. Mas o tempo deixou de concordar com ele. Agora consegue-se pensar que este seria um dia que ele bem que gostaria de passar.

Ele nasceu em Fevereiro, em 1920, tal como o meu pai. O meu tio, o meu irmão e a minha sogra também nasceram em Fevereiro. Desde que morreram o meu tio, o meu pai e o meu sogro, até este dia de sol, em 2012, em que a Maria João esteve quase feliz o dia inteiro, pensava que Fevereiro era um mês triste. Esqueci-me de todos e de tudo que Fevereiro trouxe. Agora lembrei-me.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.