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Uma menina, com os seus encantos e birras, deve passar a rapariga, com as suas manias e borbulhas; uma rapariga, com os seus dotes e rebeldia, deve passar a mulher, com a sua elegância e o seu quê de brio vaidoso; uma mulher, com toda a sua sensualidade e com as suas rugas de expressão, deve passar a matriarca, com a sua sabedoria e pose. Uma menina de um metro e sessenta e dois não é menina, nem rapariga, nem mulher, nem matriarca: é um fruto que não amadureceu.

Deram-nos colo, e pequenos degraus que era imprescindível escalar não o foram. Tombámos, saímos do colo, demos por nós no meio de uma escadaria, e vai-nos parecendo que a única coisa que fomos aprendendo é a cair. E na queda somos acompanhados por uma denúncia sem luz que nos inunda os sentidos e nos faz viver encharcados em desânimo; falta-nos a denúncia profética, que acrescenta futuro, e que mesmo no meio da perturbação e comoção, nos permite encontrar paz.

Temos que fazer a passagem do confronto com a crise ao encontro com a crise: vivemos enredados nela, amordaçados, toldados pela sua virulência, e quanto mais nos debatemos mais nos enredamos. Ao padecer próprio do encarceramento a que nos condenámos, soma-se a exigência de aprender a respirar no lugar que agora habitamos… E quem nos ensinará a respirar?

Nós sabemos que esta crise não é para todos. Esta crise não é para economistas, nem para financeiros, nem para banqueiros. Esta crise não é para políticos, nem para engenheiros sociais, nem para sociólogos. Esta crise não é para comentadores, nem para ideólogos, nem para filósofos. Esta crise não é para ONG, nem para IPSS, nem para associações. Esta crise não é para máquinas de calcular, nem estatísticas, nem supercomputadores.

Esta crise é para quem quer ser pobre e convidado a sentar-se a outras mesas; esta crise é para quem quer aprender a encontrar no choro um lugar de esperança; esta crise é para quem quer fazer da pequenez caminho; esta crise é para quem quer ter uma fome e uma sede que vai além do alcance da própria mão; esta crise é para quem quer ser lugar para um coração; esta crise é para os que querem ser transparentes; esta crise é para quem quer construir pontes em margens galgadas por rios violentos; esta crise é para quem quer seguir em tempos de perseguição. Esta crise é para santos.

Nélson Faria, sj 
01.10.2012

http://www.essejota.net/index.php?a=vnrhrlqqvkuivvqluprhrsqhutrhqqqkqruiqjrurtrkqvrnvvqnqlqr

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