Avançar para o conteúdo principal

Falar e ser entendido


A reter: A palavra que não se esquece é a que tem uma sonoridade maternal.


Durante muito tempo o desafio da renovação eclesial esteve centrado na necessidade de encontrar uma nova linguagem. Um dado era (e continua a ser) evidente: a linguagem habitual não só dos documentos, mas até da pregação da Igreja, já não é entendida pelos nossos contemporâneos.

Podemos simplesmente cruzar os braços e denunciar a falta de uma formação cristã de base. Contudo, o desencontro entre a mensagem e os seus destinatários continua lá. E o “desencontro” não é só “ad extra”: dentro das nossas próprias comunidades contam-se pelos dedos os que resistem a uma leitura integral de um texto mais longo do magistério. Ora isso gera uma desarticulação e uma incomunicabilidade que só acentuam a fragmentação do corpo eclesial. Não funcionamos como arquipélagos, mas como desagregadas ilhas.

Este é certamente um dos aspetos em que o pontificado do Papa Francisco se tem revelado providencialmente inovador. Ele tem mostrado à Igreja no seu conjunto que é possível falar e ser entendido; que se pode anunciar okerygma evangélico a um auditório diversificado, do ponto de vista humano e cultural, e cada um entendê-lo, de forma relevante, na sua própria língua; que a palavra serve para ensinar, mas também para consolar, comover e reconciliar; que a palavra ganha profundidade sempre que se torna simples e transparente; que a palavra que une razão e coração é aquela parabólica; que a linguagem que não se esquece é a que tem uma qualquer sonoridade maternal.

Nesse sentido, é fundamental que o exemplo de Francisco inaugure e inspire, de facto, uma nova estação na forma como a Igreja se comunica. Mas para isso a própria Igreja é chamada a redescobrir-se ela própria em novas imagens. Os discursos do Papa estão repletos delas. Que a Igreja não é uma ONG. Que a Igreja não é uma mãe por correspondência. Que a nossa não é uma fé-laboratório com soluções prontas para tudo, mas uma fé-caminho. Que a Igreja é um hospital de campanha, disponível para as grandes feridas do coração humano. 



P. José Tolentino Mendonça
Diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
© SNPC | 14.03.14

http://www.snpcultura.org/igreja_falar_e_ser_entendido.html

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.