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Nenhum olhar

Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros. Ainda que o peso do meu peito seja custoso, qual é o peso de abismo?, ainda que me sinta um cego a crescer sem olhos para um precipício, tenho de me levantar desta cama. Tenho de levantar estes braços que não são meus, tenho de levantar estas pernas que não são minhas, mas de um rochedo, e ir tratar das ovelhas. A minha cadela. O campo. O sobreiro grande. Que sombra estará agora debaixo do sobreiro grande? Ainda que caminhe pela noite ao meio da tarde, ainda que no pico do sol seja o mais negro da noite e dentro da noite seja noite também, por tudo ser noite aos meus olhos, tenho de me levantar desta cama. Mesmo que seja para sofrer, tenho de ir ao encontro daquilo que serei, por ter sido isto e não poder fugir, não poder fugir de me tornar alguma coisa.

nenhum olhar
josé luís peixoto

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Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
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