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Sem dizer o fogo - vou para ele. Sem enunciar as pedras. Sei que as
piso - duramente, são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei
que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento.
Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus passos nem os meus
braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo entre
tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.

Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então
invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras
de vento e de pedras, invento o vento e as pedras, caminho um caminho
de palavras.

Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim

E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe

Mas a noite existe
e a palavra sabe-o.





António Ramos Rosa

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