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Efemeridade do tempo

Havia um berço de ferro para onde iam todos os bebés que nasciam naquela casa em várias gerações.

Nasciam na cama dos pais e era ali que passavam a dormir, ao lado. Era branco, de ferro, com rosáceas na cabeceira e os pés em baloiço. Alguns desses bebés nunca chegaram a ter outra cama. O luto dessa morte era feito com a chegada de outro bebé.

E a vida continuava até que uma geração já não quis usar o berço usado e o berço foi para a casa onde se guardavam as batatas. cheguei a embalar-me nele aí, no fresco das telhas vãs,na brincadeira e uma penumbra que ficava bem com aquela cama. Eu pertenço à geração que já não foi para esse berço.

Até que um dia a adega deixou de receber batatas, a telha vã foi substituída por uma placa e a geração a que pertenço deixou de plantar batatas. A mesma geração que parece morrer de medo da penumbra.

O berço? Deve estar num sítio onde ninguém sabe a história dele nem os nomes de todos os que lá nasceram.

Isabel Lucas
https://puroacaso.wordpress.com/2017/10/30/berco-de-ferro/

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