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Por natureza, o amor não existe - justamente uma água turva num espelho, a aliança momentânea de dois interesses, um misto de guerra e de comércio. Aquilo que é natural é este modo de amar que vos assemelha e lisonjeia - os amigos acolhedores, as damas perfumadas. Aquilo que é sobrenatural é entrar na leprosaria, perto de Assis, passar duma sala à outra, caminhar com passo de camponês, repentinamente calmo, ver avançar para vós estes farrapos de carne, estas mãos imundas que pousam sobre os vossos ombros, apalpam o vosso rosto; contemplar os fantasmas e apertá-los contra si, longamente, em silêncio, evidentemente em silêncio: não se vai falar de Deus àquela gente. São do outro lado do mundo. São dejectos do mundo, excluídos do prazer dos vivos, como do repouso do mortos. Sabem o suficiente sobre o mundo para compreenderem donde vem este gesto do jovem, para compreenderem que não vem dele, mas de Deus: só o Pequenino pode inclinar-se tão profundamente, com tanta simples graça. 

Christian Bobin
Francisco e o Pequenino

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Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.