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Máscaras D’Orfeu



Finjo
Finjo tanto
Que até a pensar finjo que penso
Finjo tanto, que fujo em cavalos de fumo
Num galope de gazela de vento, com olhos de lua
E lágrimas húmidas de mundos tristes
Só para imitar beleza de imagens que nunca tive
(momento doce nesta tempestade subterrânea)
Agora...
Agora a infância já me fica tão distante
Mas mesmo assim, continuo a vestir o bibe das riscas azuis
Com que me vou enlamear no pântano mais próximo
Para saborear o medo e a inocência
De quem é condenado por julgar estrelas
As pedras humilhadas desta rua que outrora me pertenceu
Construo cidades de água e jardins transparentes
Onde planto flores de sono, que amo e possuo
Num acto único de metamorfose selvagem
E finjo
E finjo a coragem que não tenho
No retrato mentiroso da moldura onde me exibem
Com o sorriso irónico da punhalada traiçoeira
(Futuro génio da família… dizem eles)
Promoção gratuita na condição de nunca ser eu
Mas sim, o cadáver ambulante da sua vontade
Querem-me vestido de carne à sua semelhança!

Nada disso
Não o consentirei
Hei de continuar a vestir-me de mim, de ti, de tudo e de nada
Hei de continuar a fingir
Hei de continuar vestir-me de vidro
De luz
De ar e de seda
E hei de continuar a fingir
Hei de fingir-me Almada ao “rufar-te pompa de Pompeia nos funerais de mim”
Hei de Álvaro, Fernando, Alberto possuir-te palavra a palavra, sílaba a sílaba, num ritual sem fim
Hei de sonata cantar-te em guerras de alecrim e manjerona
Hei de tricotar-te os neurónios qual tia gorda refastelada em canapé de solteirona
Hei de Mário, Santa Rita suicidar-me travestido de puta, pomba ou arlequim
Hei de embuço parecer-me a tanta gente... que julgarás que me confundi
Mas não!
Hei de continuar a fingir
Hei de continuar a fingir-me essência da maledicência
Praga da maldição a que foste votado
Causa mortal da tua demência
General de uma guerra onde nem sequer foste soldado
E hei de rir-me de ti a bandeiras despregadas
Como se fora um doido alucinado
Provedor, justiceiro das almas por ti abandonadas
Hei de ser teu patrão... fingindo ser teu criado
E o meu corpo já moribundo
Definha a cada dia mais um pouco
Por tanto carregar às costas o teu mundo
Tive de fingir que era louco

Napoleão 12/12

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